LETÍCIA PAZ
VOZ, ALEGRIA E FELICIDADE NUMA SÓ INTÉRPRETE
VOZ, ALEGRIA E FELICIDADE NUMA SÓ INTÉRPRETE
Eduardo Bastos
Conhecia minha personagem de hoje quando fui comprar roupas naquela loja tradicional da cidade, de propriedade de uma grande amiga de família. Como sempre, fui recebido com todo carinho que se pode dispensar a um cliente, e a dona me indicou uma atendente nova, que me tratou como se eu fosse um comprador disposto a levar metade da loja para casa.
Separei roupas em quantidade superior à que pretendia levar, e me dirigi ao provador com um dos braços pendendo. Fechei a cortina e, enquanto me entregava à torturante tarefa de provar uma roupa após a outra, uma canção suave, entoada por uma voz afinadíssima, invadiu a cabine. Passei a me deliciar com aquela cantoria de bom gosto, e fiquei a me perguntar de quem poderia ser aquela voz. Seria possível aquela melodia estar sendo entoada pela garota que me atendera?
Deixei a cabine ainda em dúvida, mas por ali só se encontrava a menina mesmo, me esperando com um sorriso largo nos lábios. Ao invés de confirmar as roupas que levaria, perguntei-lhe se gostava de música. A menina disse que sim, e também que cantava. Confessei-lhe que não tinha voz para cantar mas que adorava música. Ela prosseguiu dizendo que era fã de bandas como Pink Floyd, Ramones, AC/DC, Metálica, Rolling Stones, Nirvana, The Doors, The Beatles... Retomei a palavra para lhe dizer que me criei ouvindo tudo isso e que possuía em arquivos a discografia quase completa dos Beatles e de Luiz Gonzaga - porque o Gonzagão foi o maior e o melhor, o que influenciou todos os grandes compositores e cantores do nosso país. Falei-lhe ainda de minha paixão pela MPB, pela Bossa Nova e pelo Rock Nacional - e descobri que essa era uma paixão compartilhada na mesma medida pela garota. Encerramos nosso papo combinando que seríamos amigos no mundo digital, e eu voltei de novo a falar de música - porque eu não podia me despedir de Letícia sem dizer que era fã incondicional da Legião Urbana e de Cazuza.
Letícia tem paixão pela música |
Letícia nasceu na cidade de Lagarto e foi criada no povoado Brasília, de onde saiu apenas recentemente para fixar residência na sede do município. O ensino médio completo ela fez no Colégio Silvio Romero. A mãe de Letícia, a quem ela deu o apelido carinhoso de "rainha", chama-se Rute Santos Dias e seu pai, que reside atualmente na cidade de Aracaju, responde pelo nome de Luiz Fernando da Paz.
Recentemente, li em algum lugar uma amiga chamando Letícia de "a cantora da voz de veludo". Mas ela descobriu mesmo que podia cantar num coralzinho da escola, do qual, a princípio, nem ia participar. Mas acontece que, como na escola Letícia era muito bagunceirinha, quando suas colegas começaram a cantar ela passou a imitá-las - só que as imitava com uma voz que imprimia ainda mais harmonia à uma rica melodia do cancioneiro popular: "Se essa rua/Se essa rua fosse minha/Eu mandava/Eu mandava ladrilhar...". Ai a professora notou o talento dessa garota e a colocou para fazer o solo do coral - e logo depois Letícia passou a cantar na Igreja.
Ainda hoje, Letícia confessa ser muito fã de Elis Regina, do jeito especial que ela tinha de interpretar. Ela gosta especialmente de MPB, da Bossa Nova, do Pop Rock, e diz ser fã incondicional de Rita Lee. Outro ícone em sua vida é Duda Brack, um novo nome que acaba de surgir no cenário musical, uma cantora genial, com a qual Letícia se identificou desde o primeiro momento.
A canção preferida de Letícia é a que afaga seu coração |
Deixar a igreja aos 17 anos foi uma decisão pessoal de Letícia, por se sentir um pouco presa e sufocada. E, quando isso aconteceu, seus "irmãos" reagiram com tristeza. Letícia confessa ter assimilado coisas positivas enquanto frequentou a igreja - coisas que acabaram contribuindo na formação de sua personalidade e caráter. Hoje, sempre que Letícia retorna à igreja na condição de visitante, todos a recebem com abraços e carinhos. A princípio, nem o pai nem a mãe queriam aceitar seu afastamento da igreja, e chegaram até mesmo a forçar a filha a voltar a frequentar os cultos. Mas, nesse momento, Letícia já completara 18 anos e havia decidido por si mesma que deveria, finalmente, fazer algo por sua vida que fosse da vontade própria. Hoje a mãe aceita com naturalidade a decisão da filha, e Letícia diz ter uma relação muito boa com Deus, sem, necessariamente, precisar fazer parte de uma igreja.
Assim que decidiu cantar na noite Letícia passou a viver experiências marcantes, já que costuma se apresentar em lugares diferentes, para públicos distintos. Ela diz que o grande desafio se deve ao fato de não poder saber antecipadamente qual será a reação do público. Recentemente, Letícia cantou num barzinho aqui de Lagarto que estava meio vazio, mas as pessoas que marcavam presença ali reagiram com tanta reciprocidade, as canções soaram tão bem, havia tanta energia no ar que tudo valeu à pena. Mas há lugares que ela diz ser difícil cantar, pois, enquanto se apresenta, as pessoas parecem nem notar sua presença - apenas conversam e se distraem; nunca lembram dos aplausos.
Quando canta na noite, o reportório de Letícia é formado metade por canções de gosto pessoal, metade por músicas que as pessoas gostam de cantar nas apresentações. As músicas são selecionadas, também, considerando-se o ambiente - há músicas específicas para o Sarau da Caixa D'Água, e outras para barzinhos, porque ela gosta de transmitir sensações para seu público de acordo com o lugar. Letícia diz que a música que mais gosta de interpretar é Inverno, de Adriana Calcanhoto, porque é a canção que afaga seu coração nos dias em que ela está triste, e também naqueles em que ela está feliz e em paz. A música que Letícia não suporta mais cantar é Como eu Quero, do Kid Abelha, porque em todo canto que ela chega alguém lhe pede para cantar essa canção. Ela confessa que até gosta do Kid Abelha, mas acha que essa melodia não fica legal na sua voz, já que é difícil encontrar o tom exato.
Letícia já chegou a ficar constrangida com criticas da plateia, mas ela aprendeu que elas também são produtivas. Quando estava começado a cantar em barzinho, Letícia diz ter recebido várias críticas - e as recebe até hoje, porque é uma cantora que permanece e permanecerá todo tempo se aperfeiçoando. Alguns amigos já chagaram a falar pelo fato de ela sair do tom, mas Letícia lembra que ainda não sabe tocar nenhum instrumento e que aos poucos vem buscando dominar um pouco a parte rítmica das canções.
Hoje o que ela mais deseja é que a música possa lhe proporcionar, além de alegria, bem estar e frutos importantes para sua vida futura. Letícia diz que não dá para viver só de música, porque o músico é muito desvalorizado, principalmente no interior, onde ele não tem oportunidade de mostrar e ter seu trabalho reconhecido. Letícia diz que o artista faz arte porque ama a arte.
Acompanhada por Camilo ao violão |
O Sarau é seu espaço predileto |
Letícia tem em Afonso um grande incentivador |
Fora de Lagarto, Letícia chegou a cantar em Canindé do São Francisco, fazendo participações em apresentações de bandas local, e tem recebido propostas para cantar em cidades circunvizinhas. Nossa intérprete pretende sim ter um repertório próprio, e, para isso, há mais de um ano vem fazendo músicas com letras que refletem coisas íntimas, e as pretende gravar assim que perceber que as melodias estão com a cara de Letícia. Nesse trabalho autoral, Letícia tem composto em parceria com Camilo Santana e Danilo Duarte, da banda Estúdio Box Azulejo. O grande desejo profissional de Letícia é que o lagartense venha a valorizar mais seu trabalho e os dos artista da terra, pois eles (os artistas, que têm feito trabalhos lindos!) precisam de um olhar mais atento, e necessitam, mais que tudo, de oportunidade, do carinho e do aplauso do público local.
Letícia rodopiando para "seu" Carcará |
Fotos: Eduardo Bastos/Afonso Augusto