domingo, 27 de junho de 2010

“...PRA VER DO ALTO A FILA DOS SOLDADOS, QUASE TODOS PRETOS, DANDO PORRADAS NA NUCA DE MALANDROS PRETOS...”

Sempre que se fala em racismo, se imagina que seja um problema típico entre pessoas que nasceram com a cor de suas peles diferente. Mas a realidade mostra que nem sempre isso é verdade. Muitas vezes, quem discrimina e até assume o papel de repressor, são indivíduos da própria raça.

No tempo da escravidão, por exemplo, houve muitos casos de negros que, após conseguirem suas cartas de alforria, passavam a trabalhar para os senhores de escravos como feitores e capitães-do-mato. E, nesses papeis, os negros demonstravam grande competência no serviço, esqueciam seus passados de escravos, e praticavam as maiores barbaridades já registradas contra os irmãos de cor.

Hoje em dia se ouve dizer que não existe mais racismo como antigamente. A realidade, entretanto, mostra exatamente o contrário. A diferença é que, na atualidade, o racismo se manifesta de forma diferente e muito bem disfarçado.

Como denuncia Gilberto Gil e Caetano Veloso na música “HAITI”, os negros que vestem fardas de soldados, em troca de salários miseráveis, estão assumindo os papéis dos antigos feitores, distribuindo porradas, de preferência nos pretos. É como se o uso da farda fizesse um homem esquecer sua cor e origem, e como se uso de um uniforme fizesse esse soldado preto entender ser preciso olhar para seus “irmãos” de cor sempre com desconfiança.

Bem, pelo que foi dito acima, fica claro, pois, que o racismo se manifesta com muita regularidade entre pessoas da mesma cor. E para que tal aconteça basta apenas que alguns assumam um posto qualquer de mando, ou que passem a ganhar um pouco mais que seu semelhante.

E, para alguns, o dinheiro compra não apenas o direito de discriminar pessoas do mesmo sangue, mas também garante os espaços para justificar essa discriminação.


JOSÉ EDUARDO BASTOS

sábado, 5 de junho de 2010

A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

Até poucos anos atrás, tanto no Brasil quanto nos países da Europa, a exploração do trabalho infantil era encarado como uma dessas fatalidades da vida. Por que isso acontecia? Quais as medidas que estão sendo postas em prática nos últimos anos para que nossas crianças possam sonhar com um futuro melhor?

O trabalho de meninos e meninas sempre foi justificado pela necessidade dos mesmos aprenderem um ofício e, principalmente, complementar a renda familiar. O problema surge quando a criança, além de, na maioria das vezes, só ser aceita em trabalhos impróprios para sua idade, recebe salários infinitamente abaixo daqueles pagos aos adultos, e precisa largar a escola antes do tempo, o que compromete uma possível ascensão profissional.

No Brasil, parece que só agora a sociedade despertou para a questão de se explorar o trabalho de meninos e meninas sem que, em contrapartida, tenha-se um projeto que garanta um futuro melhor para tais pessoas. Nos últimos anos as autoridades descobriram que com medidas simples e baratas é possível solucionar parte do problema. Então, a distribuição de uma bolsa-escola, de bodes e de cabras entre famílias carentes tem sido a fórmula mágica, capaz de fazer com que milhares de crianças troquem o trabalho nas ruas, nos canaviais, nas carvoarias e etc., pelos bancos escolares.

Como quase todo programa oficial, esse pode ser criticado pelo valor ínfimo destinado a cada família beneficiada, e por atingir um número reduzido de necessitados. Mas o simples fato de criar condições para que milhares de crianças não precisem se submeter a situações ultrajantes em troca de salários miseráveis, já significa um passo importante; já sinaliza com a possibilidade de, num futuro muito próximo, nossos meninos e meninas poderem sonhar em vir a desfrutar dos prazeres de viver uma infância em toda sua plenitude.

José Eduardo Bastos

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA "CAMINHANDO E CANTANDO", DE GERALDO VANDRÉ

UMA HISTÓRIA DE OUSADIA

Para entender o significado e a importância da música mais popular de autoria de Geraldo Vandré, é preciso saber que a mesma se impôs num cenário musical e cultural dos mais delicados, principalmente se considerarmos que em 1968 nosso país vivia um momento político dos mais difíceis.

Usando seu talento poético e musical, Vandré ousou driblar a censura implacável que os militares reservavam a toda manifestação cultural que fosse de encontro do regime estabelecido, para lançar no ar uma mensagem musical, alertado o povo brasileiro para a situação reinante, e principalmente para a necessidade desse povo tomar para si as rédeas da história. Só assim seria possível tirar o país das trevas social e política em que o mesmo fora colocado, por um regime militar reconhecidamente excludente.

“PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES” foi apresentada ao público no Festival da Canção. Premiada pelo júri com a segunda colocação, a canção voltou a ser interpretada de novo nesse evento sob vaias e protesto, de um Maracananzinho superlotado, e que não conseguia compreender os votos dos julgadores.

Mas a canção de Vandré era forte o suficiente, e não apenas resistiu à incompreensão dos jurados e da ditadura militar – que proibiu sua execução por anos -, mas acabou transformando-se no hino oficial de toda uma geração politicamente consciente e devidamente engajada em um dos movimentos sociais. E o segredo da eterna emotividade em ouvir “PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES”, talvez possa ser compreendido com uma leitura mais cuidadosa da música em questão.

Na primeira estrofe, Vandré simboliza a igualdade entre os homens através de uma melodia cantada em uníssono por todos aqueles que socialmente pertencem ao grupo dos excluídos. Nas entrelinhas o autor parece fazer um alerta sobre a necessidade da comunhão dos explorados, para juntos entoarem afinados a melodia que transforma e que liberta.

Na segunda estrofe, o autor faz um alerta veemente sobre a necessidade de o homem construir sua própria história sem intermediários. Se o homem se encontra insatisfeito com o sistema em que vive e com sua condição de explorado, é preciso que ele tome para si e para os que como ele pensam, a tarefa de construção de uma sociedade onde ele possa se sentir humanamente satisfeito. O homem que sabe de sua condição de explorado não deve confiar sua libertação a terceiros. Ele deve ter a consciência que o fim do seu estado de opressão passa por sua ação participativa, propondo e sendo sujeito nos momentos em que se tomam e em que se põem em prática decisões libertadoras.

No terceiro parágrafo, o autor nos remete a uma realidade social das mais injustas em nosso país: a questão da má distribuição daquilo que se produz no campo. Como resultado disso, enquanto meia dúzia de grandes proprietários acumula fortunas exportando produtos colhidos em suas extensas áreas de terra, a maioria do povo passa fome, seja por falta de um pequeno pedaço de terra onde ele possa tirar seu sustento, seja pela falta de recursos para adquirir os produtos colocados à venda no mercado varejista, sempre com preços muito acima do valor real. Vandré completa seu pensamento nesse parágrafo abordando o problema das pessoas que vagueiam pelo país afora, sem qualquer perspectiva profissional ou de ascensão social. Apesar de tudo, esses seres preferem acomodar-se à situação em que vivem, e a maioria segue acreditando que um dia tudo possa ser resolvido de forma pacífica, através de um acordo entre explorados e exploradores.

No penúltimo parágrafo, o autor fala sobre o braço armado do sistema. São pessoas que exercem uma profissão tão alienada e brutalizada, que não conseguem de fato cumprir a função que a sociedade espera delas. Brutalizados e treinados para enxergar inimigos em todo e em todos, os “soldados da pátria” estão sempre prontos a matar e a morrer. Mesmo que nesses gestos não exista mesmo muito sentido, afinal, pode haver explicação para se entregar a vida por causas onde não há sentido?

Vandré encerra seu discurso musical falando sobre o amor que os sujeitos das transformações precisam dedicar à causa que resolveram abraçar. Segundo o autor, tais agentes das transformações necessitam, acima de tudo, acreditar na necessidade da libertação dos oprimidos. Eles têm ainda que conhecer a fundo a origem da opressão do seu povo, para, a partir daí, formular um projeto conseqüente, confiável e que realmente possa ser aplicado à causa libertadora.

E o autor encerra seu discurso como a afirmar que o projeto de uma nova sociedade, por não ser algo pronto nem acabado, precisa que seus autores e propositores sejam pacientes e humildes o suficiente para estar constantemente aprendendo a lição das necessidades do povo, enquanto ensina a esse povo uma nova lição: a lição libertadora.


José Eduardo Bastos