A Enciclopédia Livre eletrônica Wikipédia nos lembra que no filme brasileiro Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981) o cineasta Hector Babenco construiu um dos mais cruéis retratos da realidade nas ruas de São Paulo, onde crianças têm sua inocência retirada ao entrarem em contato com um mundo de crimes, prostituição e violência. Depois de uma ronda policial, crianças de rua - incluindo Pixote - são enviadas para um reformatório de delinqüentes juvenis (FEBEM). A prisão é uma escola infernal, onde Pixote cheira cola como fuga emocional para as constantes ameaças de abuso e estupro. Logo fica claro que os jovens criminosos são apenas joguetes para os sádicos guardas da Febem e para seu diretor.
Nesse texto, imprimo minha visão pessoal desse filme que muito me impressionou quando o assisti
SOBRE O FILME “PIXOTE”
Em “Pixote”, o grande dilema dos meninos é a falta de liberdade. O cineasta Hector Babenco procurou registrar na tela grande o dilema de crianças que, ainda muito cedo, ingressam no submundo da delinqüência e do crime.
O filme serve para denunciar o fracasso das instituições (conhecidas como casas de correções) que em nosso país funcionam com a proposta de recuperar aqueles menores infratores que representam uma ameaça à sociedade. Mas, como mostram as cenas do filme, é justamente entre as quatro paredes dessas casas que os pixotes da vida aprendem todas as facetas do crime. No interior dessas instituições, a truculência, e o confronto diário com a face mais cruel do mundo adulto, levam as crianças a virarem homens antes do tempo – para muitos meninos que vivem nessas casas para menores, (a exemplo do que acontece com os “Capitães da Areia”, de Jorge Amado), o manejo correto de uma arma e o uso de outras artimanhas, são as principais garantias de sobrevivência no mundo cão em que habitam.
Para agüentarem a rotina dentro de lugares como o que foi parar Pixote, as crianças se refugiam nas drogas, enquanto que para darem vazão a uma sexualidade latente, mas contida, a solução encontrada é dividir o prazer carnal com pessoas do mesmo sexo.
O filme revela que quando um grupo desses meninos consegue escapar de uma dessas instituições, acaba deparando-se cá fora com uma realidade muito parecida com aquela abandonada há pouco. Na busca por encontrar os meios de sobrevivência, resta a Pixote e seus companheiros ingressarem no mundo do tráfico e da prostituição. E como uma desgraça chama outra, restou a Pixote – por uma dessas circunstâncias infelizes da vida – ser obrigado a tirar a vida de todos aqueles que cruzavam seu caminho, representando uma ameaça (Pixote faz uso de uma arma ganha, tanto para assassinar uma cliente velhaca, quanto para tirar a vida de um amigo que ameaça sua integridade física e a vida de uma prostituta; uma mulher que ele usava para extorquir dinheiro de homens que apareciam para fazer sexo com a mesma).
Mas Pixote é apenas uma criança – como toda criança abandonada –, cheia de dúvidas, de arrependimentos e de carências afetivas. E isso é mostrado claramente no filme de Babenco, mas precisamente na cena em que Pixote vomita (o vômito ai representando o arrependimento pelo que fizera com o amigo), e logo após se enrosca mansamente entre os peitos da prostituta a procura do consolo, da segurança e da proteção que a vida lá fora sempre lhe negou.
A cena final do filme é bastante sugestiva: Pixote caminha por entre trilhos. É como se, com esse gesto, ele tivesse dizendo que por aqueles trilhos agora desliza o trem condutor do seu novo destino. Destino que, pela forma resoluta como o menino caminha, pode ser diferente diferente daquele que ele se despediu ao deixar o aconchego dos braços da prostituta.
JOSÉ EDUARDO BASTOS