quinta-feira, 22 de novembro de 2012

OS QUILOMBOLAS DE MOCAMBO SOFREM A FALTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS


Povoado Mocambo, em Porto da Folha
 O Guia Trade Tour de Sergipe 2011 nos informa que “o município de Porto da Folha localiza-se na região semiárida sergipana, a pouco mais de 190 km de Aracaju. A cidade orgulha-se de está às margens do rio São Francisco, fato este que deu acesso aos colonizadores holandeses na região por volta do século XVII.
 “A história da região confunde-se com a presença de colonizadores holandeses no Baixo São Francisco e com o povoamento agrário no sertão sergipano. 

“O município orgulha-se de ser o único no Estado que ainda mantém uma tribo indígena em aldeamento: Xokó. Também é bastante visitado o povoado quilombola Mocambo, onde a história de luta e resistência está presente na comunidade.

“O município é estritamente agrícola e pesqueiro, fazendo com que os costumes de sua população estejam ligados ao campo e ao rio São Francisco, mesmo estando em terras áridas do sertão brasileiro. O aboio, a vaquejada, o gado estão presentes nas histórias e vidas dos mais de 26 mil habitantes (IBGE 2009).”

 O acesso ao povoado Mocambo, em Porto da folha, é ornamentado naturalmente pela vegetação catingueira - como mandacarus, cabeça-de-frade -, e a criação livre de ovinos, próximo à margem do Rio São Francisco.

A natureza ornamenta o acesso a Mocambo
 A comunidade de Mocambo é dividida ao meio por uma grande rua sem calçamento, muito menos esgoto. As casas de pau-a-pique aos poucos estão sendo trocadas por outra de alvenaria. O lugar possui uma biblioteca e uma escola que assiste ao povoado do ensino infantil ao médio, com curso de magistério. Mocambo conta com rede elétrica, mas é abastecido pelo rio por drenagem. O uso das águas do São Francisco, sem qualquer tipo de tratamento, contribui para o aparecimento de uma série de doenças entre os moradores. O mesmo rio é usado para transporte, lavagem de roupa, banhos pessoais e de animais.

Uma única rua divide a comunidade
 A luta pela formação do povoado se deu mais no campo político, devido à necessidade de lutar pela conquista da terre. Em 1964, o governador Seixas Dória ajudou os moradores a conquistar o direito da posse da terra. Quando foi contemplada em sua reivindicação, a comunidade precisou se organizar mais ainda para alcançar o reconhecimento como remanescentes quilombolas.

Em Mocambo existem 120 famílias registradas como quilombolas, e um pouco mais de 20 que não se reconhecem com tal dentro da comunidade. Essa comunidade tem suas particularidades por estar situado às margens do Rio São Francisco. Além disso, vale ressaltar a significante quantidade de famílias que sobrevivem da pesca artesanal, extraída do rio. A agricultura é de subsistência, e explora a cultura do milho, feijão, fava, mandioca entre outros.

Em Mocambo O Rio São Francisco tem diversas serventias
 A cultura do arroz, anteriormente muito explorada, foi erradicada por conta das barragens das hidroelétricas, e consequentemente a falta de um sistema de sucção da água para suprir as lagoas. Entretanto, sua principal base econômica é a exploração pecuária da bovinocultura e caprinocultura, além de pequenos criatórios de avicultura e animais de serviço, como o cavalo, o burro e o jumento.

Em Mocambo o carro de boi é largamente usado
Os Quilombolas são assistidos pelo Programa Agentes Comunitários e Médicos da Família. Mas em Mocambo verifica-se uma grande dificuldade de os moradores terem acesso à assistência médica. Quando alguém fica doente é preciso atravessar o Rio São Francisco até o município alagoano de Pão de Açúcar, onde os quilombolas sofrem grande rejeição – e muitas vezes eles refazem o longo caminho de volta até Porto da Folha, onde arriscam um atendimento.

 As manifestações culturais atualmente praticadas pelo povo do Mocambo são de caráter folclórico, a exemplo do Reisado, Dança de Coco, Teatro, Capoeira, entre outros. O artesanato é considerado outra fonte de renda dos quilombos, apesar de ser ainda uma atividade pouco explorada pelas famílias, devido à falta de incentivo e programa de crédito para implementar esta ação na comunidade. Hoje, as mulheres da comunidade desenvolvem o bordado e crochê.

Encontro de dois mundos
Em Mocambo percebe-se o encontro entre dois mundos em um só cenário: carros e motos dividem as estradas que circundam o vilarejo com os carros movidos por tração animal, e ainda com jegues e cavalos. Nessa comunidade, a exemplos de outas quilombolas espalhadas pelo Estado de Sergipe, percebe-se que muito ainda precisa ser feito, em termos de políticas públicas, para que esse povo alcance a condição de vida que ele merece.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

LARANJEIRAS É CULTURA, ARQUITETURA E SINCRETISMO RELIGIOSO



Laranjeira, a 18 km de Aracaju, é um dos poucos municípios sergipanos em que se pode vê a força da arquitetura colonial. Ruas, casarios, igrejas; tudo respira a mais pura história. Laranjeiras já foi a mais importante cidade sergipana. Berço da cultura, da política e da economia, este município só não se tornou a capital de Sergipe por conta de uma manobra política do Barão de Maruim, que transferiu a sede de São Cristóvão para Aracaju.

Depois que as tropas de Cristóvão de Barros arrasaram a nações indígenas, por volta de 1530, muitos colonos acabaram se fixando às margens do Rio Cotinguiba. Essas terras pertenciam à freguesia de Nossa Senhora do Socorro. Naquela região, mais ou menos a uma légua da sede, foi construído um pequeno porto, e, por conta das inúmeras e frondosas laranjeiras à beira do rio, moradores e viajantes começaram a identificar o local como porto das laranjeiras.

 Muitos colonos acabaram se fixando às margens do Rio Cotinguiba. Essas terras pertenciam à freguesia de Nossa Senhora do Socorro.

Em Laranjeiras moram remanescentes de negros africanos trazidos para o trabalho escrevo na lavoura de cana-de-açúcar. Quando ai chegaram, os negros se estabeleceram no Vale de Cotinguiba. A produção local ganhou dinamismo, fez originar um porto e uma feira, dando margem à construção do centro urbano, onde o povo branco se estabeleceu, criando a cidade de Laranjeiras.

Laranjeira possui um povoado de nome Mussuca, que concentra a população remanescente dos negros. O povoado conta com mais de três mil habitantes, e sua economia gira em torno da plantação de mandioca, milho, cana-de-açúcar e da produção de cimento e uréia.

 Há duas versões para o nome do povoado: uma de estudiosos, que diz que Mussuca deriva do nome de um peixe chamado muçum; a outra diz que deriva de um mosquito existente na maré, chamado mutuca.
Mussuca se destaca ainda por concentrar quatro terreiros de candomblé. No terreiro de nome Centro Umbandista São Brás, há imagens de santos que também são encontradas na Igreja Católica, como São Lázaro e Nossa Senhora Aparecida. Segundo o pai-de-santo Marcelo, na Igreja Católica os santos fazem parte da história; na umbanda, santas, como Nossa Senhora Aparecida, fazem parte dos orixás - entre os iorubas e os ritos religiosos afro-brasileiros, como o Candomblé e a Umbanda.


Os terreiros são a ligação mais forte entre os negros e sua cultura. Na comunidade existem quatro terreiros.

Na sede da cidade de laranjeiras é possível visitar o Museu Afro-brasileiro. Rico em diversos aspectos, esse espaço cultural mostra a história dos negros entre os séculos XVIII e XIX. Entre os objetos expostos, encontram-se peças, como engenho de cana-de-açúcar, moinho, fazedor de algodão, tachos, carros de bois, utensílios domésticos, vestuários, móveis da época, lamparinas, imagens sacras, imagens características do candomblé, instrumentos musicais, altar em referencia aos orixás e instrumentos utilizados para a tortura dos escravos. 

 Entres os objetos expostos no Museu Afro-brasileiro, encontram-se peças como engenho de cana-de-açúcar, moinho, fazedor de algodão, tachos, carros de bois, utensílios domésticos, vestuários, móveis da época, lamparinas, imagens sacras...
 
Laranjeiras guarda em sua história e tradição muito das culturas indígena, portuguesa e negra e um dos mais ricos folclores do Brasil. São inúmeras as manifestações culturais que nos remetem ao passado e garantem, no presente, uma permanente interação entre as mais diversas comunidades responsáveis pela continuidade do folclore. São algumas das manifestações encontradas em Laranjeiras: Reisado; Taieiras; Lambe-Sujos e Caboclinhos; Cacumbi; Dança de São Gonçalo; Chegança; Samba de Coco e Quadrilhas juninas.



Textos e fotos: Eduardo Bastos

 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO

Irineu Roberto de Oliveira é lagartense, e atualmente exerce o cargo de Professor de História nas redes estadual e municipal de ensino. Em 2000, Irineu apresentou um trabalho monográfico à disciplina Prática de Pesquisa Histórica do departamento de história, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe. A Monografia de Ireneu tem por título A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO. No resumo do seu trabalho, Irineu diz que: “O grupo folclórico parafusos da cidade de Lagarto representa o município nos festivais de cultura popular a nível nacional, e mesmo assim passa por uma série crise, que envolve a identidade do grupo, seu lugar na sociedade lagartense e a identidade do próprio município. Considerando a dinâmica do folclore e a importância do grupo para a cultura de Lagarto, procuramos identificar as causas do processo de desvalorização que o grupo sofre na atualidade, o que mantêm viva a tradição do Parafuso e os novos significados do grupo a partir de sua reativação no final dos anos 70, depois de sua quase extinção nos anos 60.”


A discursão do trabalho produzido por Irineu conclui pela “necessidade de um projeto educacional capaz de promover o resgate e a preservação das manifestações populares e da cultura local, como forma de fortalecer a identidade lagartense.”

O trabalho de Irineu é consistente e aborta com riqueza de detalhes aspectos da existência do grupo Parafusos; detalhes que em nenhum momento foram tratados por publicações sobre o tema. Além disso, a monografia em questão tem a vantagem de ser um trabalho científico, amparado em trabalho cuidadoso de checagem e confrontação das fontes – o que lhes garante ainda mais credibilidade e fonte confiável de pesquisa. Sendo assim, e com o consentimento entusiasta de Irineu, disponibilizo agora para meus leitores um fragmento de A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO.

Parafusos
 
Tem-se divulgado a ideia de que os Parafusos identificam Lagarto. É tão forte esta ideia que algumas representações culturais da cidade são feitas com as fotos dos Parafusos.

O Parafusos constitui um grupo folclórico existente no município de Lagarto desde o século XIX, formado por homens que dançam dando pulos e rodopios, vestidos com varias anáguas, umas sobrepostas sobre as outras, cobrindo todo o corpo.

“No começo dos anos 80, a indumentária do Parafusos era  composto de um traje branco, formado de babado desde o pescoço até os pés, como as anáguas dos escravos. Os babados têm bicos e a renda. Nos anos 60 os chapéus dos brincantes eram de palha, com um acessório parecido com uma mola ou espiral, simbolizando um parafuso. Nos anos 80 os chapéus não são mais de palha, passando a ser de ráfia com uma fita vermelha amarrada ao redor.”
 
Alguns autores fazem referências a grupos de Parafusos em diferentes localidades e com sentidos diferentes. CÂMARA CASCUDO¹ o define como passo do frevo pernambucano, oriundo do maxixe:
“... uma espécie de samba, onde homens e mulheres bailam em roda, contando. No final dos versos , fazem uma pequena série de voltas, terminados por um 'staccato' e batida forte".

De acordo com CARVALHO DEDA (1967)², "os Parafusos em Sergipe é uma festa popular em extinção". A sua referência sugere a existência do grupo em Simão Dias. Já a estudiosa no assunto, professora Aglaé Fontes de Alencar³, colhe com o zelador da Igreja do Carmo em São Cristóvão, versão do folguedo apresentado na antiga capital de Sergipe. Porém, é em Lagarto que essa expressão da cultura popular, denominada Parafusos, ainda hoje sobrevive.

   O numero de componentes dos parafusos nos anos 60 era de 21. Com um detalhe: além dos brincantes e tocadores, existia um componente fantasiado de índio – a presença do índio é justificada pelo auxílio que ele dava aos negros nas fugas e nos mocambos. Depois de reativado, no final da década de 70, o Parafusos passou a ser composto por 13 brincantes, e não mais se apresentavam acompanhados da figura do índio.  
O atual organizador e mestre do grupo dos Parafusos, Gerson Santos Silva, chega a dizer:
"não existe em lugar nenhum; o único grupo que existe só é em Lagarto, é só no estado de Sergipe ( ... ) não apresenta outro grupo em lugar nenhum do mundo a não ser Lagarto".

O grupo folclórico Parafusos tem sua memória escrita a partir de informações colhidas por Adalberto Fonseca4, em 1968, através de depoimentos de um antigo escravo da fazenda Piauí, Benedito Puciano, filho de africanos, integrante do grupo original dos Parafusos. As informações que ele deu a Adalberto Fonseca tornaram-se a base do conhecimento que se tem sobre a origem do grupo. FONSECA explica assim a origem do folguedo lagartense:
"Como é do conhecimento de todos, os Parafusos surgiram da seguinte forma: negros que fugiam e passavam a viver em mocambos, valiam-se das noites de lua para roubarem mantimentos e tudo o que fosse encontrado". Era costume da época as sinhás e sinhazinhas vestirem anáguas de sete côvados, que ficavam bem rodadas e ornadas, com rendas e bicos franceses muito em moda no século passado. Acontece que, para as peças sofrerem o processo de alvejamento, eram colocadas no sereno depois de submetidas a uma série de branqueamento. Ali, durante a noite, o sereno passava a exercer a interferência no tecido, cujo resultado alcançado satisfazia plenamente. Mas, acontecia que o negro fujão, ao passar ali levava aquela peça, com a finalidade única de servir de cobertor. O roubo das anáguas chegou a tal ponto de não serem mais as peças colocadas no quarador - como era conhecido o local de descoloração. Quando se deu a libertação dos escravos, eles saíram as ruas da vila cantando e pulando, rodopiando e dançando. O padre José Saraiva Salomão, então os batizou de Parafusos, a torcer e a destorcer.

Esta versão é também divulgada por Aglaé Fontes Alencar, que mostra como, daqueles episódios, originou-se a dança.
"assim, as figuras em rodopios andavam pelos canaviais e a imaginação completava o resto. Haviam noticias sobre as" visagens " que apareciam nas estradas, nas matas e nos canaviais. Todo mundo comentava se a noite era de lua. Os claros e escuros das árvores valorizavam ainda as vestes brancas que rodopiavam.
Essa autora ainda salienta outras características e objetivos dos grupos, destacando que:
"após a abolição da escravatura, a saída dos negros vestidos com as anáguas não era mais para fazer a pilhagem para levar ao Quilombo; era pura distração mesmo. Era um desabafo em cima dos seus Senhores".
 A apresentação brasileira na cerimônia de encerramento das Paraolimpíadas de 2012, assistida por milhares de telespectadores em todo o mundo, na passagem da bandeira olímpica para o Rio de Janeiro, sede dos próximos Jogos, em 2016, teve como destaque a representação do grupo folclórico sergipano os Parafusos.


Depois que foi reativado no final dos anos setenta o grupo Parafusos passa por um processo de ressignificação, passando a apresentar-se no Festival de Folclore de Olímpia, preservando assim o que em Lagarto passou a ter pouco valor. Pouco se faz para consolidar na consciência do povo de Lagarto a importância de se preservar o conhecimento da existência do grupo folclórico Parafusos.

Quando Aglaé Fontes Alencar faz referência à ideia de que os Parafusos identificam Lagarto, fortalece a nossa convicção de que, em se tratando de manifestação popular, esse grupo é uma referência, que precisa ser melhor conhecida, amada e preservada:
"Ninguém pode falar nos parafusos sem se lembrar de Lagarto. Isto porque é lá que o grupo nasceu, se desenvolveu, morreu e renasceu. É comum o povo dizer: 'vamos ver os parafusos de Lagarto'”.

Assim Lagarto é um nome ligado de forma biológica aos parafusos e hoje, em Sergipe, detém a exclusividade da sua existência.


1. Câmara Cascudo - Luís da Câmara Cascudo (Natal, 30 de dezembro de 1898 — Natal, 30 de julho de 1986) foi um historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo da cultura brasileira.
2. Carvalho Deda - José de Carvalho Déda exerceu advocacia como provisionado por mais de quatro décadas. Destacou-se também no jornalismo e na política. Foi diretor do ´Correio de Aracaju´, na capital. Foi fundador e diretor de ´A Semana´, de Simão Dias, onde escreveu, por longos anos seguidos, a ´Coluna dos Lavradores´
3. Aglaé Fontes de Alencar - Aglaé d’ Ávila Fontes professora; escritora; folclorista; historiadora; uma das maiores pesquisadoras do folclore do estado de Sergipe.
4. Adalberto Fonseca – Pesquisador da cultura e do folclore lagartense.

Bibliografia
Oliveira, Irineu Roberto de. A Saga dos Parafusos de Lagarto: Resistência e Ressignificação. Lagarto, 2000