CAJAZEIRAS
UMA MATA QUE ENCERRA MISTÉRIOS, MAS QUE NOS OFERECE O AR MAIS PURO QUE HÁ
Cajazeiras é um povoado que fica a 18km do centro de Lagarto. Quem chega a esse lugar trafegando por uma de suas estradas vicinais percebe de imediato que ao longo do tempo o homem agiu sem dó nem piedade em desfavor da mata nativa da região. A maioria dos que habitaram ou habitam essas terras fez uma opção clara pela devastação indiscriminada. Sendo assim, a mata acabou por dar lugar a roças e fazendas de pastagens rasteiras. A derrubada de árvores centenárias deu lugar também à pecuária, ovinocultura e a uma agricultura basicamente de subsistência. Roças e fazendas de grandes e médias extensões foram os tipos de ocupações escolhidos por agricultores e pecuaristas que se fixaram por essas bandas do território lagartense.
Sempre que chegamos ou deixamos Cajazeiras, o cenário por onde trafegamos é o de terras nuas, num descampado de perder de vista. A paisagem cabe num cartão postal, mas é ecologicamente desoladora. Apenas aqui, em terras da família dos Oliveira (dos irmãos Irineu, Alberto, Rogério e Erineusa) é que se fez uma opção clara e feliz pela preservação - que enche a paisagem de encanto e vida. A mata nesse espaço de chão se aproveitou bem da determinação preservacionista dos Oliveiras e os troncos das arvores ganharam altura, encorparam e a cada dia se fecham mais, num emaranhado de galhos e cipós. O resultado disso é que, sempre que chagamos na boca dessa mata, somos recebidos por ela com um abraço tão reconfortante e ameno, que esquecemos o sol abrasador e o calor insuportável que deixamos lá fora. Dentro dessa mata também vivemos a experiência única de sentir o ar poluído e viciado que trazemos em nossos pulmões ser renovado - como que num passe de mágica -, e substituído por outro mais limpo, mais leve e restaurador da sensação de o quanto é bom respirar.
Vez em quando tenho a oportunidade de ir a Cajazeiras e gosto em especial do meu encontro com essa mata. Ando devagar porque aqui não tenho pressa e quero que dure o máximo meu reencontro com a barriguda, o jatobá, o pau d’arco amarelo e roxo, o figo, o juazeiro, a jurema, a amêndoas, o figo, o caixão, o flamboyan, o itapicuru, o cedro, a laranjeira brava... Também preciso de tempo para admirar os cipós que tocam o chão e se estendem para o alto, até topar as copas das árvores. Quero que dure ao infinito esse tempo que fico ouvindo o som característico dos trocos das árvores mais altas se dobrando e se recompondo, rendendo-se e reagindo à força do vento. Necessito de muitos minutos ainda para penetrar a mata em passos lentos, pisado num tapete quase compacto de folhas secas caídas e em processo de decomposição. Mas preciso muito - e também - diminuir as forças de minhas pisadas, para evitar que cobras, lagartos e outros animais rastejantes fujam de mim apressados, confundindo-me com os predadores mais temíveis desse arvoredo.
Deixo a mata apenas quando o sol ameaça entrar em seu crepúsculo vespertino. Mas mesmo de fora continuo a espreitar-lá. Agora fico no terreiro testemunhando a noite avançar e a lenha da fogueira se desfazer em labaredas e cinzas. Ouço Xaguai, Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho enchem o ar de cantorias, enquanto rio das anedotas e estórias dos amigos donos do lugar, na companhia do único copo de vinho da noite. Nessa hora, a lua brilha imponente, iluminando tudo ao redor, e as lembranças da cidade me chegam apenas através das luzes artificias que brilham ao longe. O avançar da noite culmina com o momento de apreciar, mas também de respeitar a intimida da mata da Cajazeira, deixando que ela fique ali soturna e quieta, fechada em seus mistérios profundos e indecifráveis.
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