AUTORES: José Eduardo Bastos, Aline Augusta e Gildenor de Pádua
Os anos imediatamente anteriores à chegada dos holandeses ao nordeste brasileiro são marcados por uma conjuntura mundial impar. Nesse momento histórico, estados como Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco figuravam como os três grandes centros urbanos colonial. Em 1580 Portugal enveredaria por um processo que transformaria esse país em parte integrante da União Ibérica, comandada pela Espanha. Enquanto principal colônia de Portugal, o Brasil acabaria sendo envolvido nos conflitos internacionais da coroa de Castela, como resultado do desenrolar natural dos fatos.
Um recuo imediato no tempo mostra que, na Holanda de pouco antes de 1500, a casa de Habsburgo havia chegado ao poder, decidindo mais que de imediato reunir as possessões alemães, espanholas e holandesas nas mãos de Carlos V. É nesse momento que eclode na Europa a Reforma Protestante. Carlos V é sucedido no trono pelo rei Felipe II da Espanha. Uma de suas primeiras medidas foi providenciar a eliminação dos protestantes que habitavam suas terras, num gesto que resultaria no início da Guerra dos 80 Anos.
A Espanha perdeu a guerra em 1588 e, como resultado disso, seu poder entrou em declínio. Por sua vez, a Holanda não só ganhou impulso, como também recebeu milhares de refugiados franceses, belgas, alemães e poloneses, inaugurando assim a época que ficaria conhecida como Idade do Ouro dos Países Baixos.
A represália espanhola não se faria esperar, e viria em forma de fechamento de seus portos aos holandeses. Acossados economicamente e sabedores que as maiores riquezas dos inimigos espanhóis proviam das Américas, os batavos passaram a considerar a possibilidade de conquistar parte das colônias americanas, como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas.
Mas anos antes que os holandeses colocassem em prática suas retaliações econômicas contra os espanhóis, em 1601 a ordem dos jesuítas era contemplada na capitania de Sergipe com doações - através de sesmarias - de propriedades que, anteriormente, tinham abrigado fazendas de gados.
Uma dessas possessões é a Fazenda Colégio, que está localizada no município de Itaporanga D’Ajuda, e que dista cerca de 40 km da capital sergipana. A fazenda foi doada aos jesuítas como sesmaria em 1792, e, no local, foi erguido um conjunto arquitetônico, formado por uma igreja e um colégio, que figuram como marcos do período colonial em Sergipe.
Enquanto a igreja servia como referencial cristã, e fora construída no modelo arquitetônico do que havia de melhor na época, o colégio tinha como destino atender preocupações terrenas. Seu funcionamento estava voltado à garantia da educação dos filhos da elite de um Sergipe que vivia o período colonial.
Em meados do século XVIII, Sebastião de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, implantava medidas que causaram alvoroço na Europa e transtornos também no meio religioso. Sendo assim, os jesuítas são expulsos de Portugal e das colônias desse país, com as terras e outros patrimônios adquiridos pelos religiosos - também em Sergipe - sendo transferidos a terceiros, através de leilões.
Os registros históricos dão conta que, após a expulsão dos jesuítas, e através dos anos, famílias sergipanas de renome– como Dias, Coelho e Melo e Mandarinos – se sucederam como proprietárias da fazenda colégio. Em 1943 o local foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que intencionava com isso colocar esse patrimônio sob a guarda do Estado, para que o mesmo pudesse ser conservado e protegido, enquanto bem de interesse público - e possuidor de inestimável valor histórico, artístico, arqueológico, etnográfico, paisagístico e bibliográfico.
Numa simples visita a Tejupepa é fácil perceber que nem as famílias abastadas de Sergipe se dispuseram a usar parte de suas finanças para garantir a conservação do local, muito menos o IPHAN vem cumprindo o papel de zelar pelo patrimônio público. Estando ali também é possível especular que entre os administradores que se sucederam no poder em Sergipe, nenhum chegou a adotar medidas visando a manutenção ou melhoria do patrimônio.
O resultado de anos de descaso e abandono pode ser testemunhado por qualquer um que se disponha a visitar o local. A fachada imponente do exterior da igreja deixa de revelar o estado real do prédio. Ao adentrar em seu interior, o visitante será recepcionado por uma revoada de morcegos; em seguida, constatará que não há mais nenhum dos bancos, e que o altar desabou há tempos. Uma inspeção corajosa a outros cômodos da igreja levará o visitante ao estado de revolta, por constatar que todo o espaço se transformou num depósito para se guardar implementos agrícolas carcomidos pelo tempo, móveis velhos e todo tipo de material há muito transformado em sucata. Se não se intimidar diante de cobras, aranhas, e outros animais peçonhentos que proliferam pelo local, o visitante pode abrir espaço entre os destroços, para ter acesso a três ou quatro lajes tumulares de pessoas famosas (entre as pessoas importantes, cujos restos mortais se encontram sepultados nessa igreja, pode-se citar Domingos Coelho e Mello, o barão Antonio Coelho de Melo, entre outros).
Por sua vez, o prédio que abrigava o colégio dos jesuítas, e que no passado deve ter dado importante contribuição para o processo educacional em nosso estado, se encontra em estado tão deplorável quanto a igreja. O andar térreo do prédio - onde no passado funcionou a escola jesuítica – foi transformado num galpão para se guardar insumos, fertilizantes e outros produtos químicos usados na lavoura (esses produtos químicos exalam um mal cheiro tão forte, que impedem as pessoas não só de ficarem ali por mais tempo, mas as fazem supor que eles contribuem ainda mais para o processo de deterioração do antigo colégio). O primeiro andar do prédio, apesar de inteiramente vazio, se encontra num estado tão deplorável que, ao se caminhar por entre o piso de madeira, a sensação que se tem é que a pessoa afundará junto com ele na próxima passada.
Mesmo considerando que vivemos em um país em que a preservação da memória nunca foi prioridade, a realidade encontrada em Tejupeba ainda tem o poder de chocar e indignar qualquer ser humano que possua um pouco de sensibilidade histórica. Em outros estados do nosso país patrimônios muito menos significantes que Tejupeba são preservados, até como forma de o estado explorá-los comercialmente, revertendo seus dividendos em pró da sociedade.
Enquanto Sergipe continuar tratando seu patrimônio com o mesmo desrespeito que tem sido reservado a Tejupeba, o Sergipano continuará a percorrer museus e universidades de outros estados, em busca de conhecer sua própria história.