O único grupo indígena encontrado
atualmente em Sergipe é o Xocó. Esse grupo vive na Ilha de São Pedro e na
Caiçara, na região do baixo São Francisco, pertencente ao município de Porto da
Folha. Os Xocós são remanescentes de vários outros grupos indígenas, que devido
a fatores como a escravidão e a crescente miscigenação ocorridas nos séculos
passados, foram aos poucos perdendo as características culturais e fenotípicas
de seus grupos de origem. A luta pela terra entre índios e alguns fazendeiros
da região foi uma questão estruturante na história desse povo, tendo sido
resolvida a favor dos índios apenas no final do século XX. Os Xocós haviam sido
expulsos de suas terras com base na alegação de que, devido à miscigenação, não
eram mais índios. Este fator se mostra decisivo no entendimento do modo de vida
atual deste grupo indígena, que luta por preservar a identidade, a cultura e as
tradições indígenas, em que pese o fato de, no nível do fenótipo, os Xocós se
apresentarem em sua maioria como negros ou mulatos.
Dia 28 de maio de 2006 eu, junto
com os demais integrantes do segundo período do Curso de Licenciatura em
História, da Faculdade José Augusto Vieira, estive em visita aos Xocós. Todas
as atividades estiveram sob a coordenação do professor Vladimir Dantas,
responsável pela disciplina Antropologia, e tinham por objetivo levar os alunos
a manter contato com a forma de vida e a cultura dos índios supracitados.
Tototós nos conduz ao longo do Velho Chico |
Depois de navegar por quase uma
hora nas águas do rio São Francisco em duas embarcações tototós, nossa turma
chegou à comunidade dos Xocós por volta das 11h e foi conduzida à escola local
- que tem por nome Dom José Brandão de Castro -, onde foi recepciona com uma
dança protagonizada pelos indígenas. Com o fim do ritual, nossa turma foi
convidada a se acomodar em cadeiras postas ao redor do grupo de indígenas, que logo
se colocou à disposição dos visitantes para responder questionamentos e dúvidas
a respeito da vida e cultura da comunidade.
Raimundo é o membro mais velho da Tribo |
Como membro mais velho da tribo
e, na ausência do chefe dos Xocós, o índio Raimundo colocou-se como porta-voz
do seu grupo. Indagado como era realizado o processo de escolha do chefe da
tribo, Raimundo respondeu que o cacique era escolhido em primeiro lugar por
Deus; em seguida por seu destaque dentro da comunidade e, finalmente, por sua
capacidade em liderar e resolver problemas do grupo. O ancião dos Xocós
esclareceu que a função do cacique era cuidar das ervas, visitar os doentes,
ser pai e padre. O cacique é, segundo o índio Raimundo, aquele que dá o
exemplo.
Fomos recepcionados com a Dança |
Falando sobre seu povo, nosso
principal interlocutor disse que durante 100 anos a história dos índios que ali
habitavam foi sufocada pelo homem branco, que, além de roubar a terra,
interferiu na língua, costumes e tradições dos indígenas. Segundo Raimundo, hoje
os índios de sua comunidade se preocupam não só em manter as tradições, mas
também em recuperar os costumes. Perguntado também sobre a importância do
ritual secreto que eles costumam realizar, Raimundo respondeu com evasivas,
dizendo ser essa a maneira de os índios manterem as tradições do passado.
O Xocó clama por reconhecimento |
Questionado sobre a forma de
sobrevivência econômica dos Xocós, Raimundo disse que há inúmeras pessoas que
ajudam a Ilha de São Pedro, com destaque para religiosos como Dom José Brandão de
Castro e Frei Enoque. Em relação à participação política dos Xocós, Raimundo
esclareceu que eles exercem a cidadania, pois podem votar. Raimundo se queixa,
entretanto, do fato de o homem branco não reconhecer os índios de sua tribo
como gente. Ele revela que os políticos só visitam a ilha no tempo de eleição,
interessados unicamente no voto indígena, e em nada mais.
Respondendo a indagações dos
visitantes, o índio Raimundo e um dos “guerreiros” reconheceram que há brancos
vivendo entre os Xocós, mas que eles não são bem aceitos pelo grupo. Raimundo
esclareceu que só pode ser considerado Xocó, e participar dos rituais desse
povo indígena, aquele traz o sangue xocó nas veias. Numa espécie de desabafo, o
mais idoso entre os Xocós disse já ter trabalhado muito para os brancos, mas
que hoje se dedica a trabalhos do próprio grupo, visando o crescimento do seu
povo e o resgate de parte dos costumes retirados pelos brancos.
Só é Xocó quem participa dos rituais |
Referindo-se à educação letrada
do seu povo, o índio que falava pelo grupo disse que o estudo é importante, mas
que também é importante que o índio jamais abandone sua terra, sua origem e
raízes. Um dos “guerreiros” se pronunciou, para dizer que um dos objetivos do
grupo no momento é formar educadores entre os próprios Xocós para educar seu
povo. Segundo ainda o “guerreiro”, na medida que o povo for educado por um
membro da comunidade, haverá uma maior valorização dos hábitos e costumes dos
Xocós.
Quando perguntado sobre os meios
de sobrevivência econômica do grupo, Raimundo disse que seu povo vive da agricultura
(eles plantam feijão e milho) e da pesca. As tarefas geralmente costumam ser
divididas entre os membros da comunidade, sem que isso traga problemas para o
grupo. Enquanto uns se ocupam da agricultura, outros estão no rio; as mulheres
realizam as tarefas domésticas. Não obstante cada família possuir sua roça,
todos se ajudam mutuamente.
Os Xocós têm religião e praticam
crenças religiosas. Não obstante, o grupo disse que seus rituais não podem ser
revelados, por ser algo próprio deles. Dentre as danças características também
dos Xocós, eles destacam o toré, que é praticada numa cerimônia secreta, e que,
segundo os índios, pode ser compreendida como uma demonstração de respeito e
devoção aos seus antepassados.
Uma visita aos Xocós se constitui
num evento de fundamental importância, seja por proporcionar a chance de entrar-se
em contato com a mais nova geração de um povo que fez e faz história em nosso
Estado, seja por permitir a desmistificação de uma série de lendas em relação a
esse povo que habita uma porção estratégica das terras de Sergipe, ou ainda por
proporcionar a apreensão de conhecimentos que são específicos do cotidiano dos
Xocós, e que, portanto, não podem ser encontrados na literatura oficial escrita
sobre eles. Quem visita os Xocós tem a chance não só de conhecer melhor a vida
desses indígenas, mas acaba sendo levando a refletir sobre o quão é oportuno
cada um abraçar para si a tarefa de ser guardião voluntário das memórias desse
povo.
Texto e fotos de Eduardo Bastos
Preciso de dados sobre a questão fundiária, quem eram os fazendeiros que tomaram as terras deles e qual o local onde saiu a decisão judicial que restabeleceu a propriedade? Estou fazendo um levantamento para uma pesquisa que pretendo ter publicada. Se puder me ajudar, ficaria grato. Abraços.
ResponderExcluirEduardo, estou ainda hoje na mesma problemática, gostaria de ter acesso a sua pesquisa. Compartilhe, se puder! Ficaria muito grata..
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