segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A SILIBRINA É PARA QUEM TEM CORAGEM

A Silibrina é para quem tem coragem
A silibrina é uma manifestação popular lagartense que acontece anualmente, precisamente na última noite do mês de maio, marcando assim o início do período de festejos juninos do município de Lagarto. A festa é regada à tradicional cachaça (dizem que para criar coragem nos participantes), e acompanhada pela zabumba, pelo triângulo e reco-reco. A atração principal da silibrina fica por conta da queima de fogos - como espadas, pitus e busca-pés -, numa manifestação que envolve quase todas as camadas sociais da cidade, sem distinção de cor, sexo ou idade. Para figurar como participante deste festejo basta ter coragem e fôlego, cair no meio dos fogos, deixar a adrenalina tomar conta do corpo, e ter traquejo para se desviar dos rojões e dos estouros.

A silibrina tem início nas últimas horas da noite de 31 de maio, e, atualmente, a concentração e saída dos que dela participam acontecem na Rua de Riachão. Em seguida eles percorrem a Praça Felino Fontes e Rua José Monteiro de Carvalho. Após a zero hora, todos se dirigem ao encontro do mastro fincado na Praça do Tanque Grande, local onde os participante passam a duelar entre si com os fogos que cada um traz nos bornais, capangas, mochilas, etc.
.
O mastro é erguido na Praça do Tanque Grande
Os participantes que se revelam mais corajosos na silibrina desafiam os fogos e se lançam à tarefa de subirem ao topo do mastro, agora transformado em pau-de-sebo. Os que permanecem embaixo tentam a todo custo impedir a subida – ou atrapalhar o desafiante –, e ficam a lançar fogos sem parar na direção do corajoso que tenta a todo custo alcançar os prêmios (como requeijão, garrafas de bebidas, etc.) amarrados no topo do mastro escorregadio. Depois que todos os prêmios são capturados, e que os fogos acabam, a festa chega ao fim.

Retirada do mastro
A retirada do mastro precede a silibrina, é um momento singular da festa, e reúne grande número de pessoas. O ritual acontece em matas fechadas – que são locais que concentram grandes árvores -, e a escolha do mastro é feita com antecedência, pois quanto maior for a madeira extraída da mata, maior será o desafio. Escolhida a árvore que virá abaixo, no dia da derrubada um caminhão se dirige ao local transportando grande quantidade de pessoas. Lá chegando, os zabumbeiros começam a tocar formando um samba de roda em que crianças, jovens, homens, mulheres e idosos passam a dançar com galhos de árvore nas mãos. A árvore escolhida é cortada a machado e seu tronco é colocado no caminhão, que em seguida desfila pelas principais ruas e avenidas da cidade, com um foguetório que alerta ao povo que a festa se realizará àquele dia.

Samba de roda durante a retirada do mastro
Não há uma data exata que marca o surgimento da silibrina, muito menos registros escritos que possam confirmar com exatidão o ano em que a festa começou. Recorrendo-se a fontes orais, fica-se sabendo que a silibrina se originou na década de 1940, a partir de uma brincadeira em uma feira livre da cidade, quando dois praticantes antigos, de nomes Santinho Machado e Mario Bonfim Correia (Mário Cego), conversavam e se divertiam ao som de uma zabumba. Nesse momento, um lançou ao outro o desafio de formarem dois grupos: um se chamaria “Bola Preta” e o outro, “Capitão Galdino”. A proposta era que os dois grupos se enfrentassem uma vez a cada ano numa guerra de busca-pés. E, para que a festa pudesse contar com apoio, Santinho e Mário resolveram convidar os fogueteiros da cidade para a “brincadeira”. 

No olho da Silibrina
Os fogueteiros se integraram à silibrina no intuito de exporem seus trabalhos. Aproveitaram a festa para fazerem propaganda dos seus produtos. Um dos fogueteiros mais conhecidos da época era Agenor Ferreira de Araújo, popularmente chamado de Agenor Fogueteiro (que inclusive repassou os segredos de sua arte para um dos fabricantes que comercializa com fogos e participa da festa nos dias atuais).

Afora a cerimônia do corte da árvore - que no mesmo dia se transforma em pau-de-sebo -, a preparação da silibrina acontece no momento da celebração, embora a confecção dos fogos se dê ao longo de todo o ano. Na noite do festejo os fogueteiros se juntam aos amigos e familiares, e todos saem pelas ruas da cidade guerreando entre si. Isso contribui para que a cada ano a silibrina agregue mais e mais participantes.

O mastro desfila pelas ruas da cidade
Por volta de 1949 o grupo que se fazia presente à silibrina era formado por pessoas responsáveis, que compreendiam o significado da manifestação e se portavam com responsabilidade, garantindo assim a preservação do patrimônio material da cidade. Nos anos 80, a silibrina é tomada por uma multidão que sequer conhece o sentido da festa, e que por isso mesmo semeiam o terror e o vandalismo contra população e os patrimônios público e privado, contribuindo assim para comprometer a imagem do evento perante a sociedade.

Duas mudanças significativas na dinâmica da silibrina ocorreram nos anos 80: a utilização de carro de som - com o objetivo de divulgar a festa, ao embalo de músicas de Santo Reis –, e a introdução de cantigas – como versos e emboladas.


A silibrina é uma festa fascinante, mas que envolve sérios riscos para os que dela participam. Ao longo dos anos, um número significativo de pessoas chegou a perder dedos das mãos com o estouro de pitus e busca-pés antes do tempo previsto. Uma quantidade ainda maior de participantes costuma deixar a festa direto para os hospitais, com queimaduras pelo corpo de até terceiro grau.

Seja como for, a silibrina é um festejo tradicional, que não pode ser proibido por nenhuma ação civil pública (nesse ano de 2012, o Juiz da cidade de Lagarto decretou que a Prefeitura Municipal não autorizasse a realização da festa. É bem verdade que os organizadores do evento se ausentaram com medo da multa, que chegava a 50 mil reais. Mas muitos foram às ruas de forma espontânea, até porque as pessoas já haviam comprado fogos e bebidas).

A silibrina não pode acabar porque ela é uma avalanche de emoções que fica presa no peito durante todo o ano, pronta a explodir exatamente quando maio resolve se despedir da gente.

Fonte: Fotografias encontradas na monografia de Aidam Santos Sillva

BIBLIOGRAFIA:
SILVA, Aidam Santos. A silibrina: trajetória de uma manifestação popular lagartense (1985-1995),  2011


Nenhum comentário:

Postar um comentário