quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Enciclopédia Livre eletrônica Wikipédia nos lembra que no filme brasileiro Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981) o cineasta Hector Babenco construiu um dos mais cruéis retratos da realidade nas ruas de São Paulo, onde crianças têm sua inocência retirada ao entrarem em contato com um mundo de crimes, prostituição e violência. Depois de uma ronda policial, crianças de rua - incluindo Pixote - são enviadas para um reformatório de delinqüentes juvenis (FEBEM). A prisão é uma escola infernal, onde Pixote cheira cola como fuga emocional para as constantes ameaças de abuso e estupro. Logo fica claro que os jovens criminosos são apenas joguetes para os sádicos guardas da Febem e para seu diretor.
Nesse texto, imprimo minha visão pessoal desse filme que muito me impressionou quando o assisti

SOBRE O FILME “PIXOTE”

Em “Pixote”, o grande dilema dos meninos é a falta de liberdade. O cineasta Hector Babenco procurou registrar na tela grande o dilema de crianças que, ainda muito cedo, ingressam no submundo da delinqüência e do crime.

O filme serve para denunciar o fracasso das instituições (conhecidas como casas de correções) que em nosso país funcionam com a proposta de recuperar aqueles menores infratores que representam uma ameaça à sociedade. Mas, como mostram as cenas do filme, é justamente entre as quatro paredes dessas casas que os pixotes da vida aprendem todas as facetas do crime. No interior dessas instituições, a truculência, e o confronto diário com a face mais cruel do mundo adulto, levam as crianças a virarem homens antes do tempo – para muitos meninos que vivem nessas casas para menores, (a exemplo do que acontece com os “Capitães da Areia”, de Jorge Amado), o manejo correto de uma arma e o uso de outras artimanhas, são as principais garantias de sobrevivência no mundo cão em que habitam.

Para agüentarem a rotina dentro de lugares como o que foi parar Pixote, as crianças se refugiam nas drogas, enquanto que para darem vazão a uma sexualidade latente, mas contida, a solução encontrada é dividir o prazer carnal com pessoas do mesmo sexo.

O filme revela que quando um grupo desses meninos consegue escapar de uma dessas instituições, acaba deparando-se cá fora com uma realidade muito parecida com aquela abandonada há pouco. Na busca por encontrar os meios de sobrevivência, resta a Pixote e seus companheiros ingressarem no mundo do tráfico e da prostituição. E como uma desgraça chama outra, restou a Pixote – por uma dessas circunstâncias infelizes da vida – ser obrigado a tirar a vida de todos aqueles que cruzavam seu caminho, representando uma ameaça (Pixote faz uso de uma arma ganha, tanto para assassinar uma cliente velhaca, quanto para tirar a vida de um amigo que ameaça sua integridade física e a vida de uma prostituta; uma mulher que ele usava para extorquir dinheiro de homens que apareciam para fazer sexo com a mesma).

Mas Pixote é apenas uma criança – como toda criança abandonada –, cheia de dúvidas, de arrependimentos e de carências afetivas. E isso é mostrado claramente no filme de Babenco, mas precisamente na cena em que Pixote vomita (o vômito ai representando o arrependimento pelo que fizera com o amigo), e logo após se enrosca mansamente entre os peitos da prostituta a procura do consolo, da segurança e da proteção que a vida lá fora sempre lhe negou.

A cena final do filme é bastante sugestiva: Pixote caminha por entre trilhos. É como se, com esse gesto, ele tivesse dizendo que por aqueles trilhos agora desliza o trem condutor do seu novo destino. Destino que, pela forma resoluta como o menino caminha, pode ser diferente diferente daquele que ele se despediu ao deixar o aconchego dos braços da prostituta.



JOSÉ EDUARDO BASTOS

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Meu caro Jorge Amado,

O objetivo deste é para lhe dizer que ando sem tempo para dedicar-me à leitura das últimas obras do meu autor preferido.

Ainda recordo que foi exatamente seus livros que me introduziram no mundo maravilhoso da leitura. Comecei a estudar no “Nossa Senhora da Piedade” e, qual não foi minha surpresa e satisfação, ao descobrir que a biblioteca da escola possuía uma coleção com todos os títulos do maior escritor baiano.

Pronto! Desse dia em diante releguei o estudo das matérias didáticas a um segundo plano (estudando o estritamente necessário para alcançar a média que garantisse minha aprovação); abri mão do lazer e dos recreios em companhia dos amigos; tudo para permanecer trancafiado na biblioteca do colégio, devorando seus livros com um prazer delirante.

E o que mais me impressiona em sua obra, é a fidelidade com que você registra a vida pulsante da terra e do povo baiano. Seus personagens se movimentam numa terra abençoada pelos deuses. A natureza é dadivosa com todos, ao tempo em que exige de cada um a adoção de um permanente espírito de preservação.
 
Seus heróis e vilões são de carne e osso, e são vítimas das injustiças sociais, como o são os mais simples dos mortais. Suas mulheres ganham da natureza o dom da sensualidade, e fazem da paixão e do amor seus grandes sentidos de viver. Seus personagens masculinos se debatem todo o tempo contra o atraso político e as injustiças sociais, mas não permitem que isso os impeça de encontrar a felicidade - mesmo que ela se manifeste apenas em lampejos.

Dia desses tive o privilégio e a satisfação de estar a passeio na cidade de Salvador e, ao caminhar pelas ruas centenárias da Capital Baiana, deparei com figuras e vivi situações que me fizeram reviver cenas do que tinha lido nos livros de Jorge Amado. Essa constatação só fez aumentar meu respeito e admiração por você que é, sem dúvidas, meu maior ídolo na Literatura Nacional.

Por tudo isso, não vejo a hora de ter tempo para debruçar-me sobre um dos seus livros. E olha que já está tudo muito bem planejado! Nesse dia, armarei uma rede entre o cajueiro e a mangueira lá de casa, colocarei uma música na vitrola – que pode ser um rock progressivo ou uma cantoria de Elomar -, e só abandonarei a leitura quando o cansaço se fizer acompanhar do sono, e os dois embaralharem as letras diante dos meus olhos.

Até a próxima

terça-feira, 27 de julho de 2010

Texto escrito e publicado por mim em jornal, e que mostra a falta de compromisso, e o desrespeito dos vereadores para com a sociedade lagartense

O FIM DA PICADA

Uma de nossas professoras do município, ao término de uma sessão da Câmara, se dirigiu ao vereador Luiz Batista para pedir que ele, como parlamentar ligado ao prefeito, cobrasse do executivo o envio do Plano de Cargos e Salários à Câmara. O vereador Luiz respondeu à professora com a seguinte proposta: "Eu sou proprietário de um sítio num povoado aqui de Lagarto, e ele está coberto de mato, por falta de trabalhadores para capinar. Os professores que estão reclamando aumento de salário e outras coisas podem abandonar a sala de aula e venham trabalhar de enxada na minha propriedade, que, em troca, eu prometo complementar seus salários."
Diante de medíocre resposta, a professora se retirou na mesma hora, prometendo a si mesma nunca mais tratar de assuntos que puxem pela “inteligência” do ilustre vereador Luiz.

José Eduardo Bastos

domingo, 27 de junho de 2010

“...PRA VER DO ALTO A FILA DOS SOLDADOS, QUASE TODOS PRETOS, DANDO PORRADAS NA NUCA DE MALANDROS PRETOS...”

Sempre que se fala em racismo, se imagina que seja um problema típico entre pessoas que nasceram com a cor de suas peles diferente. Mas a realidade mostra que nem sempre isso é verdade. Muitas vezes, quem discrimina e até assume o papel de repressor, são indivíduos da própria raça.

No tempo da escravidão, por exemplo, houve muitos casos de negros que, após conseguirem suas cartas de alforria, passavam a trabalhar para os senhores de escravos como feitores e capitães-do-mato. E, nesses papeis, os negros demonstravam grande competência no serviço, esqueciam seus passados de escravos, e praticavam as maiores barbaridades já registradas contra os irmãos de cor.

Hoje em dia se ouve dizer que não existe mais racismo como antigamente. A realidade, entretanto, mostra exatamente o contrário. A diferença é que, na atualidade, o racismo se manifesta de forma diferente e muito bem disfarçado.

Como denuncia Gilberto Gil e Caetano Veloso na música “HAITI”, os negros que vestem fardas de soldados, em troca de salários miseráveis, estão assumindo os papéis dos antigos feitores, distribuindo porradas, de preferência nos pretos. É como se o uso da farda fizesse um homem esquecer sua cor e origem, e como se uso de um uniforme fizesse esse soldado preto entender ser preciso olhar para seus “irmãos” de cor sempre com desconfiança.

Bem, pelo que foi dito acima, fica claro, pois, que o racismo se manifesta com muita regularidade entre pessoas da mesma cor. E para que tal aconteça basta apenas que alguns assumam um posto qualquer de mando, ou que passem a ganhar um pouco mais que seu semelhante.

E, para alguns, o dinheiro compra não apenas o direito de discriminar pessoas do mesmo sangue, mas também garante os espaços para justificar essa discriminação.


JOSÉ EDUARDO BASTOS

sábado, 5 de junho de 2010

A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

Até poucos anos atrás, tanto no Brasil quanto nos países da Europa, a exploração do trabalho infantil era encarado como uma dessas fatalidades da vida. Por que isso acontecia? Quais as medidas que estão sendo postas em prática nos últimos anos para que nossas crianças possam sonhar com um futuro melhor?

O trabalho de meninos e meninas sempre foi justificado pela necessidade dos mesmos aprenderem um ofício e, principalmente, complementar a renda familiar. O problema surge quando a criança, além de, na maioria das vezes, só ser aceita em trabalhos impróprios para sua idade, recebe salários infinitamente abaixo daqueles pagos aos adultos, e precisa largar a escola antes do tempo, o que compromete uma possível ascensão profissional.

No Brasil, parece que só agora a sociedade despertou para a questão de se explorar o trabalho de meninos e meninas sem que, em contrapartida, tenha-se um projeto que garanta um futuro melhor para tais pessoas. Nos últimos anos as autoridades descobriram que com medidas simples e baratas é possível solucionar parte do problema. Então, a distribuição de uma bolsa-escola, de bodes e de cabras entre famílias carentes tem sido a fórmula mágica, capaz de fazer com que milhares de crianças troquem o trabalho nas ruas, nos canaviais, nas carvoarias e etc., pelos bancos escolares.

Como quase todo programa oficial, esse pode ser criticado pelo valor ínfimo destinado a cada família beneficiada, e por atingir um número reduzido de necessitados. Mas o simples fato de criar condições para que milhares de crianças não precisem se submeter a situações ultrajantes em troca de salários miseráveis, já significa um passo importante; já sinaliza com a possibilidade de, num futuro muito próximo, nossos meninos e meninas poderem sonhar em vir a desfrutar dos prazeres de viver uma infância em toda sua plenitude.

José Eduardo Bastos

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA "CAMINHANDO E CANTANDO", DE GERALDO VANDRÉ

UMA HISTÓRIA DE OUSADIA

Para entender o significado e a importância da música mais popular de autoria de Geraldo Vandré, é preciso saber que a mesma se impôs num cenário musical e cultural dos mais delicados, principalmente se considerarmos que em 1968 nosso país vivia um momento político dos mais difíceis.

Usando seu talento poético e musical, Vandré ousou driblar a censura implacável que os militares reservavam a toda manifestação cultural que fosse de encontro do regime estabelecido, para lançar no ar uma mensagem musical, alertado o povo brasileiro para a situação reinante, e principalmente para a necessidade desse povo tomar para si as rédeas da história. Só assim seria possível tirar o país das trevas social e política em que o mesmo fora colocado, por um regime militar reconhecidamente excludente.

“PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES” foi apresentada ao público no Festival da Canção. Premiada pelo júri com a segunda colocação, a canção voltou a ser interpretada de novo nesse evento sob vaias e protesto, de um Maracananzinho superlotado, e que não conseguia compreender os votos dos julgadores.

Mas a canção de Vandré era forte o suficiente, e não apenas resistiu à incompreensão dos jurados e da ditadura militar – que proibiu sua execução por anos -, mas acabou transformando-se no hino oficial de toda uma geração politicamente consciente e devidamente engajada em um dos movimentos sociais. E o segredo da eterna emotividade em ouvir “PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES”, talvez possa ser compreendido com uma leitura mais cuidadosa da música em questão.

Na primeira estrofe, Vandré simboliza a igualdade entre os homens através de uma melodia cantada em uníssono por todos aqueles que socialmente pertencem ao grupo dos excluídos. Nas entrelinhas o autor parece fazer um alerta sobre a necessidade da comunhão dos explorados, para juntos entoarem afinados a melodia que transforma e que liberta.

Na segunda estrofe, o autor faz um alerta veemente sobre a necessidade de o homem construir sua própria história sem intermediários. Se o homem se encontra insatisfeito com o sistema em que vive e com sua condição de explorado, é preciso que ele tome para si e para os que como ele pensam, a tarefa de construção de uma sociedade onde ele possa se sentir humanamente satisfeito. O homem que sabe de sua condição de explorado não deve confiar sua libertação a terceiros. Ele deve ter a consciência que o fim do seu estado de opressão passa por sua ação participativa, propondo e sendo sujeito nos momentos em que se tomam e em que se põem em prática decisões libertadoras.

No terceiro parágrafo, o autor nos remete a uma realidade social das mais injustas em nosso país: a questão da má distribuição daquilo que se produz no campo. Como resultado disso, enquanto meia dúzia de grandes proprietários acumula fortunas exportando produtos colhidos em suas extensas áreas de terra, a maioria do povo passa fome, seja por falta de um pequeno pedaço de terra onde ele possa tirar seu sustento, seja pela falta de recursos para adquirir os produtos colocados à venda no mercado varejista, sempre com preços muito acima do valor real. Vandré completa seu pensamento nesse parágrafo abordando o problema das pessoas que vagueiam pelo país afora, sem qualquer perspectiva profissional ou de ascensão social. Apesar de tudo, esses seres preferem acomodar-se à situação em que vivem, e a maioria segue acreditando que um dia tudo possa ser resolvido de forma pacífica, através de um acordo entre explorados e exploradores.

No penúltimo parágrafo, o autor fala sobre o braço armado do sistema. São pessoas que exercem uma profissão tão alienada e brutalizada, que não conseguem de fato cumprir a função que a sociedade espera delas. Brutalizados e treinados para enxergar inimigos em todo e em todos, os “soldados da pátria” estão sempre prontos a matar e a morrer. Mesmo que nesses gestos não exista mesmo muito sentido, afinal, pode haver explicação para se entregar a vida por causas onde não há sentido?

Vandré encerra seu discurso musical falando sobre o amor que os sujeitos das transformações precisam dedicar à causa que resolveram abraçar. Segundo o autor, tais agentes das transformações necessitam, acima de tudo, acreditar na necessidade da libertação dos oprimidos. Eles têm ainda que conhecer a fundo a origem da opressão do seu povo, para, a partir daí, formular um projeto conseqüente, confiável e que realmente possa ser aplicado à causa libertadora.

E o autor encerra seu discurso como a afirmar que o projeto de uma nova sociedade, por não ser algo pronto nem acabado, precisa que seus autores e propositores sejam pacientes e humildes o suficiente para estar constantemente aprendendo a lição das necessidades do povo, enquanto ensina a esse povo uma nova lição: a lição libertadora.


José Eduardo Bastos

terça-feira, 25 de maio de 2010

Escrito há anos atrás, esse é um texto que aborda um tema por demais atual: a questão da exploração da floresta amazônica

QUEREM INTERNACIONALIZAR A AMAZÔNIA

O quê fazer?

Em nome do progresso a qualquer custo, os dirigentes dos países desenvolvidos sempre assumiram uma postura de conivência diante de empresas e outros agentes agressores da natureza. A conseqüência desse investida indiscriminada e permitida contra os recursos naturais se traduziu em rios poluídos e ar irrespirável.

Percebe-se que nos últimos anos a natureza tem vindo à forra, provocando mais cheias, furacões, ciclones, maremotos, deslizamentos de terra e outros fenômenos igualmente traumáticos à humanidade.

Acossados por crescente clamor popular, os grandes líderes se esforçam para encontrar uma saída capaz de acalmar os ânimos dos seus cidadãos descontentes. E a saída mais cômoda parece ter sido a de criar um novo discurso, segundo o qual a floresta amazônica é a salvação do mundo. E, ao transformar essa “grande descoberta” em ideologia, os dirigentes dos países desenvolvidos buscam formar uma grande cadeia de aliados, que os ajude a difundir não apenas a idéia da importância da preservação da floresta amazônica, mas também a proposta de permitir que os recursos naturais dessa região possam ser administrados e explorados por outros países.

É evidente que por trás desse discurso aparentemente ecológico de figuras como Bill Clinton, Henri Kissinger, Mikhail Gorbachov, Francois Mitterrand, etc., se escondem, mais que tudo, interesses de natureza econômicos. Trabalhos científicos - divulgados recentemente em publicações especializadas -, insinuam que na floresta amazônica se encontram as plantas que podem servir como matéria prima para produzir os remédios que vão ser usados para por fim em doenças como o câncer e a Aids.

Fica claro, portanto, que a grande preocupação dos que defendem a internacionalização da Amazônia não é apenas porque os brasileiros estão queimando a maior floresta tropical do mundo, nem apenas porque isso pode significar um aumento do gás carbônico lançado todo ano na atmosfera, ou porque isso representa ainda a diminuição da camada de ozônio que protege a terra. O grande objetivo desse pessoal é criar um clima favorável lá fora – e até mesmo aqui dentro –, para que amanhã eles venham a se impor como administradores dos recursos naturais aqui existentes (principalmente como gerenciadores da divisão do bolo formando pela comercialização de nossa matéria prima), sem encontrar qualquer tipo de resistência interna, ou sem se preocupar em serem molestados por críticas vindas da comunidade internacional.

A tendência é essa guerra ideológica contra o Brasil se intensificar cada vez mais. Fazer a caveira do nosso país parece ser a forma que os Estados Unidos encontraram para transformar a opinião pública em sua aliada em potencial.

Mas afinal, os norte-americanos não são craques em criar aliados para apoiá-los, mesmo quando eles resolvem participar de ações que ferem direitos humanos mais elementares? Os norte-americanos não contaram com o apoio de muitos países quando eles – em meados dos anos sessenta – resolveram invadir o Vietnã, com a desculpa de que era preciso livrar esse país do “perigo comunista”? E o que aconteceu ao longo da década de setenta? Por acaso os Estados Unidos não contaram até mesmo com o apoio da Igreja para espalhar ditaduras militares por diversos países da América Latina? Os norte-americanos não contaram sempre com aliados pelo mundo afora para manter o bloqueio econômico – e criminoso – contra Cuba?

Há poucos mais de duas semanas atrás os Estados Unidos procuraram abafar o escândalo sexual envolvendo Bill Clinton, e lançaram meia dúzia de mísseis Tomahawk contra o Afeganistão e o Sudão, matando dezenas de inocentes. Por ventura, algum país de maior influência se preocupou em vir a público para fazer uma condenação mais veemente contra mais esse genocídio praticado pelos norte-americanos?

A história está repleta de exemplos em que os Estados Unidos se arvoraram no direito de atuar como policial do planeta e de atentar contra a soberania de um país quando bem entender, seja para derrubar presidentes, seja para questionar um regime político, ou ainda para impor o modelo econômico ditado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O que governos como os de Bill Clinton intencionam fazer agora com a Amazônia pode diferir um pouco na forma, mas no conteúdo é muito semelhante a outros atentados que eles têm patrocinado nos últimos anos contra a soberania de uma série de países.

E se apenas saber das intenções dos Estados Unidos em relação à floresta amazônica já nos leva a uma reflexão profunda, e a prever que a nossa maior floresta pode ter um destino semelhante ao que foi dado às estatais brasileiras (empresas cujos patrimônios foram sucateados, e entregues aos estrangeiros a preço de banana), uma notícia recente sobre a Amazônia - que circulou nas revistas nacionais – nos coloca em alerta, e com a convicção de que algo precisa ser feito com urgência.

Sob o pretexto de que é preciso combater o narcotráfico e a guerrilha colombiana na fronteira, o Brasil aceitou que Bill Clinton enviasse um grande aparato militar ao Brasil; aparato esse que ocupou posições estratégicas dentro da floresta, por um período de tempo não divulgado. Ou seja, pelo que se conhece de outras ações dos ianques, é muito provável que esse discurso de combate ao narcotráfico seja usado apenas como uma espécie de álibi, para esconder o que os norte-americanos realmente pretendem fazer no norte do nosso país.

Indignação. Esse talvez seja o termo apropriado para designar o sentimento que nos domina, sempre que paramos para refletir sobre o destino que parece estar reservado à nossa floresta. Mas essa criança indefesa chamada Floresta Amazônica espera de nós algo mais que o desenvolvimento de um sentimento de revolta interior. A floresta espera que nós, que ainda temos o privilégio de freqüentar uma escola, e que temos acesso a informações esclarecedoras, façamos mais que apenas lamentar seu futuro sombrio. Na verdade, o que a floresta espera de pessoas socialmente sensíveis como nós, é que nos transformemos em porta-vozes da natureza; em pessoas capazes de fazer com que seu grito de agonia possa ecoar e ser ouvido pelo mundo afora.

Faz tempo que os inimigos do ar, da fauna e da flora iniciaram uma grande ofensiva visando justificar a investida dos mesmos sobre as riquezas naturais da Amazônia. Cabe a nós - que somos simples mortais, mas que não conseguimos calar perante algumas das ações inconseqüentes dos nossos semelhantes - forjamos espaços nos meios de comunicação, onde seja possível tanto denunciar os agressores da natureza, quanto ganharmos adeptos para formarmos uma grande cruzada em defesa de ecologia e da vida.

Afinal, como disse o poeta: “Quem hoje é vivo corre perigo. E só quem pode nos salvar é caviúna, cerejeira, baraúna, imbula, pau-d’arco, solva, juazeiro e jatobá; gonçalo-alves, paraíba, itaúba, louro, ipê, paracaúba, peroba, massaranduba; carvalho, mogno, canela, imbuzeiro, catuaba, janaúba, arueira, araribá; pau-ferro, angico, amargoso, gameleira...”


José Eduardo Bastos

sexta-feira, 21 de maio de 2010

``A BOMBA ATÔMICA É TRISTE. COISA MAIS TRISTE NÃO HÁ``

Tempos atrás uma revista de grande circulação em nosso país realizou uma pesquisa entre seus leitores, com o objetivo de saber qual a imagem que marcou o século XX. A grande vencedora foi a de uma menina, flagrada pelas lentes de um repórter cinematográfico, quando corria nua e aos prantos no meio do asfalto, após perder seus familiares, vitimados pelos efeitos da bomba atômica que acabava de explodir no meio de sua cidade.

O resultado dessa pesquisa não fez mais que confirmar uma das características mais comum ao ser humano. Sempre que o homem, por um motivo ou outro, pára para refletir sobre seu passado, a primeira imagem que surge em sua mente diz respeito aqueles fatos que foram capazes de despertar sentimentos como desgosto e tristeza.

O lançamento da bomba atômica sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki representa o marco de maior tristeza para toda a humanidade por dois motivos muito simples. Em primeiro lugar, ele confirma a estupidez do homem em exterminar milhares de inocentes, sem que para isso houvesse qualquer justificativa. Em segundo lugar, mostrou ao mundo uma nova faceta do ser humano: sua capacidade em usar da inteligência para colocar a ciência a serviço da destruição de seus semelhantes, inclusive de seres indefesos - como crianças, idosos, etc.

Dia desses, o Jornal Nacional mostrou uma reportagem com o homem que criou a bomba atômica. Ele mostrava-se desconsolado com o uso que fora dado a sua ``grande criação``, e se dizia disposto a liderar uma grande campanha pela paz.

Para nós, resta uma resposta para uma pergunta que não quer calar. Será que esse arrependimento tardio é suficiente para devolver o sorriso aos rostos de famílias que, até hoje, choram os efeitos de uma das maiores insanidades já registradas pela história contra seres humanos?

José Eduardo Bastos

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SOBRE O ABORTO

O direto à interrupção de uma gravidez de forma precoce é um tema sempre atual, polêmico e capaz de dividir, através dos tempos, a sociedade em dois blocos bem distintos: de um lado a turma que o condena, usando como argumentos preceitos religiosos; do outro, setores progressistas, que defendem sua prática como um direito inalienável à livre escolha.

Aqueles que condenam o aborto geralmente se baseiam em princípios cristãos, e dizem que o feto, a partir do momento em que começa a ser concebido no ventre materno, já possui todas as características dos seres vivos. Portanto, o único que podia tirar-lhe a vida seria o ente que o criou e que conduz o destino de todas as coisas: Deus.

Se por um lado os críticos do aborto contam com um arsenal de argumentos bíblicos para o condenar, por outro lhes faltam respostas para problemas cruciais, gerados por nascimentos de filhos de forma indesejada ou mal programada. Por exemplo, o que esse pessoal tem feito para evitar que as crianças que nascem em lares economicamente miseráveis acabem nas ruas, ingressem no mudo das drogas, do crime ou tenham como destino final uma dessas febens da vida? O que esse pessoal tem feito pelos meninos e meninas que nascem em famílias numerosas, e que logo são abrigadas a sobreviverem nas ruas – sujeitos a todo tipo de violência -, simplesmente porque a seus pais faltam condições materiais para criá-los decentemente?

Enquanto os que condenam o aborto acabam mergulhando num mar de contradições, aqueles que defendem a legalização dessa prática lançam mão de argumentos concretos e objetivos. Eles dizem que se uma mulher pega uma gravidez como conseqüência de um estupro, nada mais natural que lhe seja dado o direito de ter, ou não, esse filho. As vozes favoráveis ao aborto partem de um princípio, segundo o qual se uma gravidez, por um motivo ou outro, coloca em risco a vida da mãe, nada mais oportuno que interrompê-la, até como condição para que se preserve a vida que, nesse caso, merece toda a prioridade do mundo.

Na luta de conscientização objetivando ganhar aliados, os defensores do aborto são bastante realistas. Eles dizem que mesmo que permaneça como ilegal, o aborto continuará sendo praticado com a mesma regularidade de antes. A sua legalização redundaria em grandes benefícios para as mulheres, haja vista que a sociedade teria como exigir que o Estado equipasse seus hospitais, para que dessa forma a clientela pudesse ser atendida de forma digna e humana. É preciso que o aborto passe a merecer a mesma atenção dispensada ao parto. Só assim será possível evitar que milhares de mulheres arrisquem suas vidas, usado os serviços desses charlatões que comandam clinicas clandestinas pelo país afora.

Ora, nessa batalha verbal entre defensores e opositores do aborto, o que observamos é que estão esquecendo de dar voz e vez a parte mais envolvida e interessada na questão. Se a natureza deu à mulher a primazia em procriar seres humanos - com todas as conseqüências maléficas e benéficas daí advindas -; se cabe à mulher o ônus maior na criação dos filhos, o mais justo é que a voz feminina seja a que fale mais alto e tenha a palavra final em todo esse debate.

JOSÉ EDUARDO BASTOS

Redação

COM A PALAVRA O SENHOR PÉ DE JAMBO


Há muitos anos plantaram-me aqui nesse quintal. A pessoa que introduziu minha semente nessa terra jamais esteve presente para acompanhar meu desenvolvimento. Durante muito tempo essa casa esteve completamente deserta, sem ninguém para saborear meus frutos, ou para admirar a beleza das flores que brotam em abundância pelo menos duas vezes por ano.

Faz mais de um ano que essa casa foi invadida por uma família numerosa, barulhenta... mas muito divertida. A primeira providência do chefe da família foi capinar o terreno, para arrancar o mato que insistia em dividir comigo água e nutrientes naturais. Livre dos meus companheiros oportunistas, minha copa cresceu e meus galhos se encheram de folhas, aumentando a sombra que agora invade grande parte do amplo quintal.

A harmonia que preservo junto a essa família só é quebrada vez ou outra. É que a chata da cachorra Ruana insiste em ficar a latir ao meu redor, louca para botar suas garras num desses sagüis que vem se divertir pulando em meus galhos e devorando parte dos meus frutos.

Lamentável ainda é a mania desse pessoal em varrer ao meu redor, pelo menos duas vezes ao dia. Puxa... eu produzo uma flor de um vermelho tão bonito! No entanto, nessa família tem uma menina que, devido a sua mania de limpeza, usa de toda sua insensatez para encher sacos e mais sacos com as flores que caem de mim. Essas flores bem que poderiam formar um belo tapete vermelho para impressionar os olhos sensíveis às coisas da natureza.

Esse pé de carambola, meu vizinho, já percebeu meu contentamento nos finais de semanas em que os meninos reúnem os amigos aqui no quintal. O som fica o tempo todo tocando a toda altura, mas é possível ouvi-los discutir sobre a beleza de minhas flores, a raridade dos meus frutos e o oportunismo de minha sombra.

Esses elogios elevam meu ego às alturas e fazem com que eu renasça a cada dia com disposição em compor o que chamam de espetáculo da natureza.


José Eduardo Bastos

segunda-feira, 17 de maio de 2010

AO COMANDO

“Aprenda o mais simples!”.
Para aqueles cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC
Não basta... Mas aprenda!
Não desanime! Comece!
É preciso saber tudo
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda ancião...
Você tem que assumir o comando!
Freqüente a escola você que não tem casa
Adquira conhecimentos você que sente frio
Você que tem fome, agarre o livro: É uma arma!
Você tem que assumir o comando!
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer!
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria, não sabe.
Verifique a conta: É você quem vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item.
Pergunte: o que é isso?
Você tem que assumir o comando”.

Bertold Brecht

sábado, 15 de maio de 2010

"Carta" escrita como proposta de redação da professora de Português e Redação, quando o autor fazia o 2º ano de Informática Industrial na UNED

Prezado Amigo Renato Russo,

Nesse momento preciso acreditar que sua alma permanece entre nós. Só assim será possível comunicar-me com você para dizer-lhe o quanto sua obra marcou minha geração e o que representou, nesse momento, sua partida abrupta.

Tive o privilégio de despertar para a vida no momento em que a sociedade do meu país saía das trevas políticas e começava a respirar os primeiros ares da democracia. Na esteira dos movimentos sociais que pipocavam pelo país afora, o rock nacional ressurgia das cinzas para dar novo alento à Música Popular Brasileira e para embalar os corações rebeldes que alimentavam a chama das mudanças sociais sonhadas.

Entre as bandas que começaram a ocupar espaço nesse novo cenário musical, a Legião Urbana se sobressaia e despertava a atenção da juventude mais atenta por diversos motivos: o vocalista tinha mesmo um tom de voz diferente, que nos fazia lembrar da melhor fase de Elves Presley. As músicas, de uma sonoridade sem igual, e as letras, diretas e sem repetições, conseguiam transmitir a mensagem de imediato, refletindo tudo aquilo que até então tinha permanecido contido no peito da juventude.

Renato, é preciso que você saiba que, há tempos, as músicas da Legião
Urbana vêm servindo de trilha sonora para embalar momentos que marcaram e que, por isso, permanecem vivos em minha memória.

Há pouco tempo atrás, eu (acompanhado de dois irmãos e de um grupo de
estudantes aqui de Lagarto) estava em Goiânia, participando de um congresso estudantil. Na noite que antecedeu o término do evento, os cerca de cinco mil jovens que estavam ali, representando todos os estados do país, se reuniram numa praça da cidade para uma festa de congraçamento. Como não poderia deixar de ser, as músicas da Legião monopolizaram as preferências e tocaram de forma ininterrupta durante toda a noite, para delírio geral da galera presente. E a praça se transformou num só frenesi; a moçada destilava emoção por todos os poros, acompanhando cada melodia executada a plenos pulmões, e torcendo para que o tempo parasse e aquele êxtase coletivo pudesse se prolongar por horas a fio; assim ninguém teria a preocupação de ser desperto pelo toque do sino da realidade.

Mas cara, não foi apenas dessa vez que presenciei a pujança de suas canções.
Lá em casa você conquistou fãs que sabem todas as suas letras de cor, e que aguardam o lançamento de um disco da Legião com a mesma expectativa que assalta um pai que espera o nascimento de seu primogênito.

Renato, é preciso que você saiba que em minha casa seus discos são tocados
a exaustão e suas letras decoradas e debatidas pelos irmãos Bastos, sempre que nos reunimos numa mesa de bar, do almoço ou do jantar. Pode parecer exagero de minha parte, mas a verdade é que lá em casa, Renato, suas músicas têm servido para conquistar corações femininos que, a priori, se mostram insensíveis. Sempre que um enamorado briga com sua garota ou intenciona conquistar aquele “broto” que acabou de conhecer, basta recorrer a um dos versos de suas melodias. Apenas o recurso a esse expediente garante o sucesso da investida amorosa. E suas letras têm amolecido corações com a competência de um cupido infalível. Talvez isso aconteça pelo fato de sua poesia calar fundo na alma e falar, de forma simples, dos sentimentos verdadeiros que as pessoas não conseguem expressar.

É, Renato, você partiu cedo demais!


Apesar dos pesares, você deve se considerar um ser privilegiado; privilegiado
pelo fato de ter conquistado o direito de registrar seus pensamentos para que os mesmos sejam não apenas admirados no presente, mas alcancem o status da imortalidade. Ainda em vida, você assistiu sua música “Índios” ser eleita patrimônio da humanidade. Hoje, esta mesma letra figura em destaque no Museu Nacional do Índio. Dessa forma ela poderá, no futuro, receber o reconhecimento merecido das gerações que nos sucederão.

Nesse momento preciso despedir-me de você. Antes, preciso lhe dizer
que, mais que ninguém, sempre entendi sua dificuldade e angústia em viver nesse mundo. Você era um cara que pensava e precisava que as pessoas fizessem sua parte. A indiferença coletiva, com certeza, devia levá-lo ao desespero, a ponto de você questionar a validade de continuar vivendo em um mundo povoado pela incompreensão, incerteza e bestialidade. Durante o tempo em que você passou entre nós, sua contribuição foi de valor inestimável. Com sua obra, você influenciou e continua a influenciar as mentes e corações das pessoas que desejam viver o presente, sem perder a perspectiva de amar as pessoas como se não houvesse amanhã...

Obrigado por tudo,

José Eduardo Bastos

Tela encomendada ao amigo Givanildo Alves, e que foi doada por mim a meu irmão Kekeu, que afinal é mais fã do lider da Legião do que eu.

domingo, 4 de abril de 2010

TEJUPEBA: AQUI MEMÓRIA E DESRESPEITO AO PATRIMÔNIO SE CONFUNDEM

AUTORES: José Eduardo Bastos, Aline Augusta e Gildenor de Pádua

Os anos imediatamente anteriores à chegada dos holandeses ao nordeste brasileiro são marcados por uma conjuntura mundial impar. Nesse momento histórico, estados como Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco figuravam como os três grandes centros urbanos colonial. Em 1580 Portugal enveredaria por um processo que transformaria esse país em parte integrante da União Ibérica, comandada pela Espanha. Enquanto principal colônia de Portugal, o Brasil acabaria sendo envolvido nos conflitos internacionais da coroa de Castela, como resultado do desenrolar natural dos fatos.

Um recuo imediato no tempo mostra que, na Holanda de pouco antes de 1500, a casa de Habsburgo havia chegado ao poder, decidindo mais que de imediato reunir as possessões alemães, espanholas e holandesas nas mãos de Carlos V. É nesse momento que eclode na Europa a Reforma Protestante. Carlos V é sucedido no trono pelo rei Felipe II da Espanha. Uma de suas primeiras medidas foi providenciar a eliminação dos protestantes que habitavam suas terras, num gesto que resultaria no início da Guerra dos 80 Anos.

A Espanha perdeu a guerra em 1588 e, como resultado disso, seu poder entrou em declínio. Por sua vez, a Holanda não só ganhou impulso, como também recebeu milhares de refugiados franceses, belgas, alemães e poloneses, inaugurando assim a época que ficaria conhecida como Idade do Ouro dos Países Baixos.

A represália espanhola não se faria esperar, e viria em forma de fechamento de seus portos aos holandeses. Acossados economicamente e sabedores que as maiores riquezas dos inimigos espanhóis proviam das Américas, os batavos passaram a considerar a possibilidade de conquistar parte das colônias americanas, como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas.

Mas anos antes que os holandeses colocassem em prática suas retaliações econômicas contra os espanhóis, em 1601 a ordem dos jesuítas era contemplada na capitania de Sergipe com doações - através de sesmarias - de propriedades que, anteriormente, tinham abrigado fazendas de gados.

Uma dessas possessões é a Fazenda Colégio, que está localizada no município de Itaporanga D’Ajuda, e que dista cerca de 40 km da capital sergipana. A fazenda foi doada aos jesuítas como sesmaria em 1792, e, no local, foi erguido um conjunto arquitetônico, formado por uma igreja e um colégio, que figuram como marcos do período colonial em Sergipe.

Enquanto a igreja servia como referencial cristã, e fora construída no modelo arquitetônico do que havia de melhor na época, o colégio tinha como destino atender preocupações terrenas. Seu funcionamento estava voltado à garantia da educação dos filhos da elite de um Sergipe que vivia o período colonial.

Em meados do século XVIII, Sebastião de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, implantava medidas que causaram alvoroço na Europa e transtornos também no meio religioso. Sendo assim, os jesuítas são expulsos de Portugal e das colônias desse país, com as terras e outros patrimônios adquiridos pelos religiosos - também em Sergipe - sendo transferidos a terceiros, através de leilões.

Os registros históricos dão conta que, após a expulsão dos jesuítas, e através dos anos, famílias sergipanas de renome– como Dias, Coelho e Melo e Mandarinos – se sucederam como proprietárias da fazenda colégio. Em 1943 o local foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que intencionava com isso colocar esse patrimônio sob a guarda do Estado, para que o mesmo pudesse ser conservado e protegido, enquanto bem de interesse público - e possuidor de inestimável valor histórico, artístico, arqueológico, etnográfico, paisagístico e bibliográfico.

Numa simples visita a Tejupepa é fácil perceber que nem as famílias abastadas de Sergipe se dispuseram a usar parte de suas finanças para garantir a conservação do local, muito menos o IPHAN vem cumprindo o papel de zelar pelo patrimônio público. Estando ali também é possível especular que entre os administradores que se sucederam no poder em Sergipe, nenhum chegou a adotar medidas visando a manutenção ou melhoria do patrimônio.

O resultado de anos de descaso e abandono pode ser testemunhado por qualquer um que se disponha a visitar o local. A fachada imponente do exterior da igreja deixa de revelar o estado real do prédio. Ao adentrar em seu interior, o visitante será recepcionado por uma revoada de morcegos; em seguida, constatará que não há mais nenhum dos bancos, e que o altar desabou há tempos. Uma inspeção corajosa a outros cômodos da igreja levará o visitante ao estado de revolta, por constatar que todo o espaço se transformou num depósito para se guardar implementos agrícolas carcomidos pelo tempo, móveis velhos e todo tipo de material há muito transformado em sucata. Se não se intimidar diante de cobras, aranhas, e outros animais peçonhentos que proliferam pelo local, o visitante pode abrir espaço entre os destroços, para ter acesso a três ou quatro lajes tumulares de pessoas famosas (entre as pessoas importantes, cujos restos mortais se encontram sepultados nessa igreja, pode-se citar Domingos Coelho e Mello, o barão Antonio Coelho de Melo, entre outros).

Por sua vez, o prédio que abrigava o colégio dos jesuítas, e que no passado deve ter dado importante contribuição para o processo educacional em nosso estado, se encontra em estado tão deplorável quanto a igreja. O andar térreo do prédio - onde no passado funcionou a escola jesuítica – foi transformado num galpão para se guardar insumos, fertilizantes e outros produtos químicos usados na lavoura (esses produtos químicos exalam um mal cheiro tão forte, que impedem as pessoas não só de ficarem ali por mais tempo, mas as fazem supor que eles contribuem ainda mais para o processo de deterioração do antigo colégio). O primeiro andar do prédio, apesar de inteiramente vazio, se encontra num estado tão deplorável que, ao se caminhar por entre o piso de madeira, a sensação que se tem é que a pessoa afundará junto com ele na próxima passada.

Mesmo considerando que vivemos em um país em que a preservação da memória nunca foi prioridade, a realidade encontrada em Tejupeba ainda tem o poder de chocar e indignar qualquer ser humano que possua um pouco de sensibilidade histórica. Em outros estados do nosso país patrimônios muito menos significantes que Tejupeba são preservados, até como forma de o estado explorá-los comercialmente, revertendo seus dividendos em pró da sociedade.

Enquanto Sergipe continuar tratando seu patrimônio com o mesmo desrespeito que tem sido reservado a Tejupeba, o Sergipano continuará a percorrer museus e universidades de outros estados, em busca de conhecer sua própria história.

Igreja erguida em Tejupeba, que servia como referencial cristã


COLÉGIO - Aqui os jesuitas educavam os filhos da elite da sociedade canavieira




sábado, 3 de abril de 2010

CANUDOS - Texto escrito por mim, a partir da frase cunhada por Euclídes da Cunha: "O SERTANEJO É ANTES DE TUDO UM FORTE"

Quando registrou sua frase mais famosa, o escritor Euclides da Cunha procurou expressar um sentimento que não apenas justificava a bravura de um povo que resistia acuado no arraial de Canudos, mas, acima de tudo, que explicava por completo a condição de um homem que teima em sobreviver em uma das regiões mais hostis do nosso planeta.
É sabido que o sertanejo está sujeito a contribuir com a economia do país em pé de igualdade com os cidadãos dos demais Estados do nosso país. Não obstante, por conta de um projeto econômico e social que sempre priorizou os investimentos no centro sul do país, ele nasce condenado a sobreviver privado dos benefícios sociais comuns às pessoas que desfrutam do privilégio de morar um pouco mais abaixo da linha do equador.
Como se não bastassem os obstáculos colocados pelo próprio homem, o sertanejo está predestinado a se confrontar a cada dia com as dificuldades que lhe são impostas pela própria natureza. E é justamente na labuta para preservar a vida – mesmo em meio a um oceano de privações – que o sertanejo desenvolve os antídotos que lhe permite criar defesas para enfrentar o exercício diário pela sobrevivência. Daí, o segredo desse homem em criar seus mecanismos de adaptação às condições sociais mais adversas. E é essa peculiaridade do homem que habita a região árida do nordeste, que está sintetizada de forma magistral na frase escrita com a maior das sensibilidades por Euclides da Cunha.
Canudos, em particular, foi um momento único na vida de um grupo de nordestinos. Foi o momento em que um povo teve a oportunidade de não apenas questionar uma ordem política e econômica imposta, mas de propor saídas, a partir de novas relações sociais, que mexessem num dos maiores traumas da região: o problema da concentração de terras em poucas mãos.
Recorrendo aos ensinamentos cristãos, o beato Antonio Conselheiro conseguiu reunir em torno de si uma legião de pessoas que permaneciam à margem dos projetos governamentais, e que haviam sido expulsas de suas propriedades devido a pressões de latifundiários por demais gananciosos.
Mas a proposta de Antonio Conselheiro – de construir uma comunidade igualitária, regida por suas próprias leis, em que os bens materiais e a terra pudessem ser compartilhados por todos, sem distinção – batia de frente com os interesses do sistema republicano que acabara de se instalar no país, com os grandes latifundiários e até mesmo com setores conservadores da igreja católica.
E, por contrariar interesses tão distintos quanto poderosos, a comunidade organizada em torno do arraial de Canudos levou as forças reacionárias de época a se reunirem em torno da proposta de extinção daquele exemplo de sociedade. Era preciso pôr fim de uma vez por todas não apenas à pessoa física de Antonio Conselheiro e seus “fanáticos seguidores”, mas, e principalmente, lançar ao esquecimento as propostas contidas no projeto posto em prática pelo beato e seus seguidores.
E, nos conflitos sociais que tiveram lugar em nosso país, jamais a coragem de um povo foi colocada tão à prova, como o foi em Canudos. Isso demonstra o quão forte é o sertanejo; isso prova ainda que a aparente fragilidade física do sertanejo esconde seres que, quando decidem defender uma idéia, ou resolvem superar os limites que a natureza lhes impõem, são capazes de se transformar em verdadeiros titãs da resistência.
Os habitantes de Canudos foram fortes – como o é, alias, todo nordestino quando resolve abraçar uma causa justa -, e resistiram por batalhas consecutivas, mostrando que, mesmo acuados, desarmados e maltrapilhos, souberam, como ninguém, usar o dom da estratégia para superar muitos dos obstáculos surgidos ao longo da luta contra inimigos infinitamente mais superiores.
É provável que muita gente – por absoluto desconhecimento de causa – continue a acreditar que Canudos não passou de um movimento religioso, comandado por um indivíduo lunático e alienado.
O que muita gente jamais vai chegar a admitir, é que Canudos (que teve toda sua população assassinada, e depois encoberta pelas águas do Lago de Cocorobó, para que seu exemplo fosse de uma vez por todas apagado do imaginário do povo brasileiro) continua a ser o farol a guiar as ações de todos aqueles que lutam não apenas por justas distribuições de terras, mas também por dignidade para o povo desse país.
Se no presente os movimentos sociais no campo tomaram uma nova feição, isso se deve à evolução dos tempos e às exigências da conjuntura. O que não se pode negar é que Canudos continua como um símbolo de resistência, a ser seguido por todos aqueles que desejam encarnar a bravura do forte homem sertanejo.

José Eduardo Bastos

ARRAIAL DE CANUDOS


quinta-feira, 1 de abril de 2010

RESENHA DO LIVRO DE JOSÉ D'ASSUNÇÃO

BARROS, José d’Assunção. O projeto de pesquisa em História. Da escolha do tema ao quadro teórico. Petrópolis: Vozes, 2005.


José D’Assunção Barros é historiador e professor de História, com doutorado pela Universidade Federal Fluminense. Desenvolve pesquisas sistemáticas na área de História da Cultura nos cursos de graduação e mestrado em História da Universidade USS de Vassouras. Esse carioca que nasceu em 22 de setembro de 1967 possui uma trajetória acadêmica das mais respeitavéis. Nos últimos anos José D'Assunção Barros tem legado grande contribuição intelectual ao meio, escrevendo ensaios e artigo que versam sobre temáticas tão diversas quanto instigantes, como História da Arte, História da Música, História da Literatura, Cinema, Teoria e Metodologia da História, Historiografia, e temas ligados à História de modo geral. Entre os artigos de sua autoria, que foram recebidos sempre com aplausos no meio acadêmico, está o que foi intitulado "Desigualdades e Diferenças", e que procura examinar o fato de alguns processos de dominação transformar determinadas Desigualdades em Diferenças, o que acaba mudando o próprio enfoque social da questão. Em artigos posteriores o autor discorreria ainda sobre problemas históricos, como a escravidão de africanos nos tempos do Brasil Colonal e do Brasil Império, o transporte de milhões de negros para as Américas, as relações entre desigualdades e diferenças sexuais, e as múltiplas trajetórias históricas da noção de "Igualdade" no âmbito do pensamento político, do imaginário e da história dos movimentos sociais.
No campo da História da Arte, José D'Assunção Barros escreveu também alguns ensaios, incluindo "Arte Moderna e Alteridade", no qual busca mostrar como o diferencial da Arte Moderna, a partir de fins do século XIX, e sobretudo no decorrer do século XX, estabeleceu-se precisamente a partir da capacidade que os artistas ocidentais modernos desenvolveram no sentido de renovarem seus próprios padrões criativos e suas práticas artísticas. Simultâneo à carreira de escritor e ensaísta, o autor aqui retratado atuou também no Ensino de História e no Ensino de Música, e suas teses de Mestrado e Doutorado combinam estes dois campos de saber (a História e a Música) conjuntamente com a Literatura, dando origem a estudos sobre os trovadores do período medieval, e sobre a expressão do Imaginário Político na música, na literatura e nas genealogias medievais.
No livro “Projeto de Pasquisa” José Costa D’Assunção oferece, tanto ao estudante de História, quanto ao pesquisado da área em formação, uma discursão pertinente - e em sintonia com o tempo presente – sobre os procedimentos e inúmeros aspectos que envolvem o desenvolvimento de uma pesquisa em história, além de propor alternativas para a elaboração de Projetos de pesquisa em História.
O autor reserva o capítulo de abertura do livro para falar sobre os requisitos fundamentais a um projeto de pesquisa, em especial a flexibilidade que o mesmo deve ter, para garantir que o pesquisador possa optar por uma nova construção teórica, de acordo com novas descobertas que venham à baila ao longo de sua pesquisa. Segundo Barros, à medida que o objeto de pesquisa é submetido a avaliações de pessoas que não estão envolvidas diretamente com sua elaboração, irão surgindo dúvidas e esclarecimentos, que conscientizarão o pesquisador sobre a necessidade de fazer um confronto honesto entre sua proposta e o que já foi escrito por outros sobre o tema.
Encontrar tempo é sempre um dos grandes problemas para o homem moderno, em especial para aqueles que labutam durante boa parte do dia, e ainda abraçam os desafios de uma vida acadêmica. O autor parece ter consciência exata disso, ao reservar boa parte do primeiro capítulo para discutir os passos que podem ser dado pelo pesquisador para que o Projeto de Pesquisa possa ser viabilizado. Nessa perpectiva, o autor brinda seus leitores com discas preciosas sobre por que fazer um Projeto de Pesquisa, o que fazer, para que fazer, como se faz a delimitação do tema, o que colocar na introdução, na justificativa, no desenvolvimento e conclusão, e como proceder para estabelecer a delimitação temática. Sem descuidar um só momento dos passos necessários a uma boa pesquisa, Barros discute, também com profundidade, questão como metodologia, revisão bibliográfica, conograma, recursos materiais, e até mesmos as forma de diálogos que devem ser estabelecidos entre pesquisador e autores.
Para demonstrar finalmente a importância de um projeto de Pesquisa, Barros diz que ele representa um caminho a ser construido passo a passo, a partir dos materiais elaborados pelo próprio pesquisador, com a finalidade de se reduzir o máximo possível o tempo necessário à sua execução. O Projeto de Pesquida se afigura então como um instrumento que garante, ao pesquisador, economizar tempo, agilizar o trabalho de pesquisa e alcançar os objetivos pretendidos.
A exemplo de outros autores que versam sobre o mesmo tema, em O Projeto De Pesquisa em História o autor procura enfatizar a importância de um projeto de pesquida, enquanto elemento norteador de todo e qualquer trabalho levado a efeito também por aqueles que se propõem a fazer o registro histórico. Na concepção de José D’Assunção Barros, por si só o Projeto de Pesquisa consegue apontar os caminhos a serem percorridos, as etapas a serem vencidas e os recursos teóricos de que deve se acercar o pesquisador para longrar êxito em sua empreitada.
Nas páginas de O Projeto De Pesquisa em História todos os itens são tratados com a profundidade devida. Mas o que se pode facilmente inferir da leitura dos capitulos do livro é que o autor partiu do pressuposto de que a história é sempre um campo complexo de conhecimentos, que portanto sinaliza com possibilidade e caminhos infinitos. Sendo assim, José Costa D’Assunçao diz para seu leitor com muita objetividade que, no campo da História, uma pesquisa pode ser realizada com maior riqueza e eficácia se precedida de um planejamento em seus múltiplos aspectos. E isso pressupõe, antes de tudo, a elaboração de um Projeto de Pesquisa devidamente adequado às especifidades do tema trabalhado. A exemplo de outras ciências humanas, a pesquina no campo da história representa também um caminho que deve ser construído como fruto da labuta do próprio pesquisador, e isso envolve iniciativas como delimitação de etapas, como identificação do problema da pesquisa, constituição do quadro teórico e definição de uma metodologia que esteja em perfeita sincronia com as fontes.
Na confecção dessa obra, que deve fazer parte da biblioteca de todos aqueles que prezam também pela boa construção historiografica, o autor buscou tratar os temas com uma linguagem clara, estimulante e de fácil compreensão. No entanto, se enganam aqueles que pensam que o autor negligenciou do nível, densidade e complexidade com que devem ser tratadas questões relacionadas ao conhecimento histórico. Sem abrir mão em nenhum momento da boa escrita, o autor procurou enriquecer sua obra com exemplos pertinentes tanto ao universo acadêmico, quanto da vida cotidiana – o que contribuiu sobremaneira para o entendimento de temas tratados ao longo dos capítulos, e em diferentes níveis. Barros procurou tratar a história a partir de sua diversidede e complexidade, sem no entanto incorrer no erro, tão comum a outros escritores que tratam de temas semelhantes, de direcionar sua obra para uma corrente específica, em detrimento das demais. E como um adendo luxuoso à lucidez usada na confecção de O Projeto de Pesquisa em História, o autor procura ilustrar cada ponto, a partir de obras historiográficas de peso, e que versam sobre a historiografia do Brasil ou de outros países.
O leitor que tem o previlégio de percorrer as páginas de O Projeto de Pesquisa em História facilmente constatará que Barros procurou se apoiar em obras de grandes autores mundiais, filiados às principais correntes historiográficas. Não obtante, o que se infere da leitura de seu livro é que em nenhum momento ele procurou privilegiar ou se apoiar em uma escola de pensamento determinada. O que se percebe é que o autor teve o cuidado de elaborar um livro que atendesse a múltiplas linhas de pensamento, em conformidade com a percpectiva atual da interdiciplinaridade.
Pode-se acusar José Costa D’Assunçao de ter escrito um livro que dificilmente se tornará um best-seller entre o leitor comum, pelo fato desse autor ter tratado alguns temas de forma que para alguns parecerá como prolixa. Porém, o que não se pode negar é que O Projeto de Pesquisa em História é uma obra basilar, principalmente para o estudante e o pesquisador de História que procura numa obra do gênero algo mais que esquemas e roteiros a serem copiados ligeiramente nos momentos de sufoco.


Resenhista: José Eduardo Bastos – estudante do 7º periodo da Faculdade José Augusto Vieira.


Lagarto(SE), 06 de novembro de 2008