terça-feira, 4 de junho de 2013

CANUDOS



Dias 30 de abril e 1° de maio desse ano de 2013, eu e os amigos Paulo Oliveira de Santana, José Santana Curvelo e Edson Souza estivemos em visita à cidade de Canudos, estado da Bahia. Canudos sempre esteve presente em nossas vidas, haja vista que a proposta de sociedade levada a termo por Antonio Conselheiro há anos figura em nossas reflexões e discussões de caráter político, sindical e social. Sendo assim, estar em Canudos tinha mesmo um significado especial para nós: era pisar no cenário de um evento dos mais significativos para a história do nosso país.  Estar em Canudo (mesmo que não fosse pela primeira vez) era um acontecimento. Discutimos muito sobre o tema e, claro, visitamos os lugares que nosso pouco tempo de estada naquele lugar nos permitiu. Como sempre, eu e meus companheiros de viagem nos preocupamos em fazermos o registro fotográfico de tudo que entendemos de mais significativo, para que possamos não apenas contar em nossos arquivos com um material capaz de enriquecer nossos conhecimentos sobre o tema, mas, também, compartilhar informações com todos aqueles que manifestem o desejo de conhecer um pouco mais sobre Canudos.

No Parque de Canudos representações da guerra estão expostos ao ar livre, em painéis gigantescos
Entre tudo que se tem escrito sobre Canudos, o consenso geral elegeu a obra de Euclides da Cunha como a mais cultuada. Embora não tenha sido o primeiro livro sobre Canudos, Os Sertões institui-se ainda hoje como um paradigma literário. Em virtude disso, o primeiro contato que costumamos ter com o movimento e a Guerra de Canudos costuma ser através da obra de Euclides da Cunha, que deu início ao que se chama de Pré-Modernismo na literatura brasileira, revelando, às vezes com crueldade e certo pessimismo, o contraste cultural nos dois "Brasis": o do sertão e o do litoral.

Todos os importantes questionamentos e as grandes formulações sociológicas, antropológicas, históricas e políticas para compreender o Brasil, antes e depois da República, tiveram seu embrião nas páginas de Os Sertões.

Foto de moradora de Canudos, também exposta em painéis ao ar livre
Com seu apurado estilo jornalístico-épico, Os Sertões traça um retrato dos elementos que compõem a guerra de Canudos: A Terra, O Homem e A Luta.  A descrição minuciosa das condições geográficas e climáticas do sertão, de sua formação social: o sertanejo, o jagunço, o líder espiritual, e do conflito entre essa sociedade e a urbana, mostra-nos um Euclides cientificista, historicista e naturalista que rompe com o imperialismo literário da época e inicia uma análise científica em prol dos aspectos mais importantes da sociedade brasileira.



Canhão usado contra os moradores de Canudos pelas forças militares da República. Essa bala de canhão nos foi apresentada na noite em que pernoitamos em Canudos. Seu interior é composto metade de chumbo e metade de estilhaços. Seu peso deve chegar a 5kg.


Para além do olhar brasileiro e testemunhal de Euclides da Cunha, há o olhar imigrante do peruano Mario Vargas Llosa, enriquecido por quase um século de outros olhares. Mesmo reconhecendo a genialidade da obra de Euclides da Cunha, entender Canudos a partir de Vargas Llosa é fundamental, uma vez que, por vezes, Os Sertões peca por ser uma obra por demais parcial. Durante sua estada em Canudos, Euclides da Cunha esteve todo tempo do lado de fora do cenário onde se desenrolava o conflito, e, por isso mesmo, sua obra peca por descrever os fatos privilegiando o olhar dos militares que combatiam a experiência de sociedade implantada por Antonio Conselheiro.

A Guerra do Fim do Mundo, lançado em 1981, é um romance importante na trajetória de Vargas Llosa. Nele, o autor reescreve a Guerra de Canudos dando voz a representantes de vários setores e estamentos da sociedade da época, ampliando e diversificando o olhar do leitor sobre os eventos. O resultado é uma interpretação absolutamente original.
Para a realização desta recriação literária, o autor promoveu intensa pesquisa de campo, viajando por meses pelos sertões do nordeste brasileiro.

Nos dias atuais, mesmo o visitante que não tenha intimidade com o que aconteceu em Canudos em 1896, pode obter as informações necessárias à compreensão dos acontecimentos, uma vez que o Memorial Antônio Conselheiro reúne imagem, objetos e todo o histórico da Guerra que teve lugar naquela região da Bahia. Em nossa visita ao Memorial, tivemos o cuidado de fazermos o registro do material exposto, para que agora eu possa compartilhar ele com os leitores que visitam meu blog. Espero que a leitura desperte em todos o interesse em conhecer Canudos, pois visitar por um dia esse lugar é experimentar a emocionante sensação de estar frente a frente com a própria história.


ANTÔNOIO CONSELHEIRO


Antônio Conselheiro representado no Memorial que leva seu nome

Antônio Vicente Maciel, mais tarde Antônio Conselheiro, nasceu na Vila Nova do Campo Maior de Quixeramobim, centro do antigo Ceará Grande, em 13 de março de 1830. Era descendente de uma família de vaqueiros e pequenos proprietários de terras que entrou para as anotações históricas da província cearense por conta das lutas com os Araújo, clã abastada do termo da Boa Viagem.

Quando menino, Antônio aprendeu a ler e a escrever – à época, como até hoje, um privilegio nos longínquos descampados do sertão nordestino – estudou latim e trabalhou com o pai, Vicente Mendes Maciel, numa loja que tinham na Praça dos Cotovelos. Vendiam secos e molhados.

Em 1855, faltou-lhe Vicente. A mãe, Maria Joaquina de Jesus, tinha falecido em 4834. Como primogênito, cuidou dos negócios que davam sustento à família, mas não foi um bom negociante. Atolou-se em dívidas, além das que herdara, e em 1856 penhorou o pouco que tinham, casou-se com uma prima, Brasilina Laurentina de Lima, e caiu no mundo.

Inicialmente foram para o norte da província cearense, tiveram filhos e Antônio trabalhou como professor, caixeiro, escrivão de paz e requerente de causas, rábula. No Ipu, quando pareciam que iam se estabelecer no lugar, foi traído e abandonado por Brasilina, amasiada com um furriel, soldado de policia.

Pouco tempo depois iniciou suas andanças e peregrinações.

Entre os anos de 1874 e 1876, Antônio Vicente – já conhecido como Santo Antônio dos Mares, Irmão Antônio, Santo Antônio Aparecido e Antônio Conselheiro – fez missões e construiu igrejas e cemitérios e diversas freguesias baianas e sergipanas. Seu séquito chegava às vilas sertanejas, carregando oratórios toscos com imagens do crucificado e de Nossa Senhora.

Em 1876, intrigas eclesiásticas levaram à prisão do Santo em Missão da Saúde, no Itapicuru, sob acusação de ter cometido um crime na sua terra natal. Levado para Salvador e interrogado na delegacia, respondeu que mais do que ele havia sofrido Cristo e que apenas se ocupava em apanhar pedras pelas estradas para edificar igrejas. Depois, mandaram-no para o Ceará onde as autoridades não encontraram, nos arquivos policiais, nada que lhe desabonasse a conduta. Voltou às terras baianas e sergipanas.

E, 1893, depois de peregrinar durante quase décadas mobilizando o povo humilde do sertão para a construção de obras pias, açudes e aguadas, Antônio conselheiro se estabeleceu em Canudos, às margens do Rio Vazabarris, e fundou o povoado de Belo Monte.

Durante a Guerra de Canudos (1896-1897), Antônio Conselheiro foi ridicularizado pela imprensa. Sempre o apresentavam como um farsante que ousava, com o seu fanatismo desvairado e inconsequente, combater a república. Para os redatores das folhas, era um monarquista encastelado no sertão nordestino a mando dos saudosos da corte.

Também as chacotas pululavam nas páginas dos jornais. Todos os dias apareciam novos conselheiros nos recantos mais remotos do país que logo eram associados ao líder espiritual do Belo Monte. Apesar disso, no cenário da guerra a soldadesca não compreendia o motivo de combaterem aquele povo que sempre no entardecer atendia ao sino da Igreja Nova, tocado por Timotinho, e iam para as orações, prédicas e ladainhas na Latada. Muitas oficinas e jornais chegavam a duvidar das intenções monarquistas dos conselheiristas. Mas não foram ouvidos.

E um tenente de artilharia, responsável pela derrubada de uma das torres da Igreja Nova, ao ver o corpo de Antônio Conselheiro, morto em setembro e encontrado no santuário na manhã de 6 de outubro de 1897, descreve-o com poesia:

... Cobria o cadáver um lençol branco e sobre este haviam algumas flores esparsas, última e tocante homenagem dos jagunços àquele em cuja defesa pereceram heroicamente e cujos restos, mesmo na hora extrema do sacrifício, ainda mereceram-lhes aquele emocionante testemunho de respeitoso afeto...

O ARRAIAL DE CANUDOS

Apesar da seca ter baixado em muito o nível do rio, apenas uma pequena parte da torre da igreja construída por Antonio Conselheiro se encontra emersa
O Arraial de Santo Antônio de Canudos surgiu em terras doadas pela Casa da Torre. Ficava às margens do Rio Vazabarris e tinha, em 1890, uma pequena capela ladeada por 60 a 70 casas de palha, telha e adobe. O seu nome é uma incógnita. Uns afirmam ter derivado do hábito dos antigos habitantes fumarem usando longos canudos, encontrados na vegetação que margeia o Rio Vazabarris. Outros associam o nome do vilarejo às formações de valas existentes nas serras que o circundavam. Com as chuvas, essas fendas pareciam enormes canudos.

O antigo povoado era recortado pelas estradas de Geremoabo, Calumbi, Canabrava, Cambaio, Massacará, Rosário e Uauá, caminhos que levavam a Sergipe, Monte Santo, Cumbe e às vilas ribeirinhas do Rio São Francisco. Lá, no arraial, tropeiros e mercadores cuidavam das montarias, arranchavam e pernoitavam.

Esporadicamente também chegava àquelas paragens as missões católicas, arrebanhando os que nasciam, ministrando-lhes os santos olhos, ou trazendo para a igreja ao que viviam amancebados, sacramentando-lhes as bênçãos do matrimônio.

Ruínas da igreja de canudos. Quando o rio volta ao seu leito normal tudo isso fica embaixo d'água
Antes de se estabelecer no Arraial de Canudo, Antônio Conselheiro já conhecia o vilarejo. Por lá já tinha passado algumas vezes e antigos moradores lhe pediram para construir uma igreja, pois a antiga já estava arruinada. Foram atendidos em 1893, quando inauguraram a igreja de Santo Antônio, conhecida na guerra como Igreja Velha. Nesse mesmo ano, o peregrino fincou raízes na vila e mudou-lhe o nome para Belo Monte.

Com o andarilho cearense também vieram seguidores, arregimentados durante suas missões no centro das províncias da Bahia e Sergipe, e gente que o acompanhava desde o início das suas andanças, ajudando-o nas construções de igrejas, cemitérios, açudes e aguadas.

Em pouco tempo, o antigo arraial de Santo Antônio dos Canudos se transformou num centro de romarias e orações.

Durante a guerra, muitos dos que foram à terra santa em busca de benção de Antônio Conselheiro, acabaram degolados pelos sabres republicanos.

A GUERRA DE CANUDOS

Ruínas de uma das igrejas de Canudos
A Guerra de Canudos começou numa noite de novembro de 1896. Na ocasião, uma tropa de linha, sob o comando do tenente Pires Ferreira. Estava aquartelada na entrada da Vila do Uauá quando ouviram cânticos e ladainhas entoadas por um grupo de conselheiristas que carregavam estandartes e oratórios. A soldadesca abriu fogo e houve sangrenta batalha.

A tropa no Uauá a pedido de Arlinddo Leone, juiz de Juazeiro, vila do Rio São Francisco.

Os conselheiristas estavam indo para Juazeiro pegar madeira que foram compradas para as obras da igreja o Bom Jesus, a Igreja Nova, mas não tinham sido entregues pelo fornecedor. Apavorado e receoso de um conflito dentro da vila, Leone pediu ao Governo do Estado uma tropa de linha para impedir a ida dos conselheiristas.

Naquela noite, os soldados de Pires Ferreira foram derrotados e a investida militar ficou conhecida como a primeira expedição contra o Arraial de Canudos.

A segunda expedição foi comandada pelo major Febrônio de Brito. Chegou perto de Canudos, deslocando-se pela estrada de Cambaio, e foi logo desbaratada pelos defensores do Bom Jesus na Lagos do Cipó, hoje conhecida como Lagoa do Sangue, na manhã de 19 de janeiro de 1897.

Depois da derrota de Febrônio Brito, o país voltou os olhos para aquele arraial maldito. A imprensa começou a pedir o seu extermínio e o Governo Federal organizou a expedição de Moreira César, a terceira investida militar contra Canudos. O terrível oficial que combatera com mão de ferro os revoltosos de Santa Catarina, durante a Revolução Federalista de 1893, partiu do Rio de Janeiro para a Bahia aclamado pela população. Embrenhou-se na caatinga e no dia 3 de março estava dentro de Canudos. Em meio ao combate, foi ferido e morreu na madrugada do dia seguinte. Com a morte do seu comandante, as forças da terceira expedição debandaram e fugiram.

Em poucos dias, a noticia da derrota do coronel Moreira César chegou ao Rio de Janeiro. Parte da imprensa associou os conselheiristas a um fantasioso movimento de restauração monárquica e vários monarquistas foram perseguidos e um foi morto pela população enraivecida.

Logo foi organizada a quarta expedição militar.

Comandada pelo general Artur Oscar, era composta de dez mil soldados de vários estados do país e foi dividida em duas colunas militares que convergiram sobre a cidadela de Canudos. A primeira coluna partiu de Monte Santo e a segunda de Aracaju. Se encontraram no Alto da Favela na manhã de 28 de junho de 1897.

Durante o conflito, os militares sofreram inúmeras baixas, principalmente nos combates de Cocorobó e da Favela.

Em outubro, depois de quatro meses enfrentando a expedição de Artur Oscar, o Arraial de Canudos foi incendiado e seus bravos defensores foram mortos.

No arraial sagrado não ficou pedra sobre pedra, como ordenara os oficiais da quarta e ultima expedição militar.

 A VILA DE COCOROBÓ

Um grande lago se formou com a construção da barragem. Toda a velha canudos ficou encoberta. A grande queixa dos moradores da região diz respeito ao reduzido número de agricultura que se beneficia de todo esse volume de água.
Depois da Guerra de Canudos (1896-1897), O arraial arrasado pelas tropas republicanas foi repovoado pelos sobreviventes no início do século XX.

Essa segunda Canudos seria sepultada nas águas do Açude Cocorobó em 1969.

A Vila do Cocorobó, construída a poucos quilômetros do vilarejo histórico, surgiu com uma nobre missão: abrigar os moradores da Canudos que seria submersa e, também, acolher os barrageiros, trabalhadores que iriam construir a barragem para represar as águas do Rio Vaza-barris.

As obras de construção do Açude Cocorobó começaram em 1952. Na época, surgiram na imprensa várias reportagens, mas é a partir de 1953 que os grandes periódicos do país começam a noticiar o fato.

Segundo os jornais, o açude teria a extensão de 12 quilômetros com capacidade para estocar 250 milhões de metros cúbicos de agua, traria o progresso para a região e resolveria os problemas causados pelas longas estiagens. Esses eram os planos dos dirigentes do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca/DNOCS.

Perguntados sobre a Canudos histórica que desapareceria alguns funcionários da instituição respondiam secamente isto é conversa de poeta, o que esta região precisa é de água...

Com o início das obras, a Vila de Cocorobó começou a ser edificada.

Inicialmente, levaram as casas de madeira que alojavam os funcionários do DNOCS em Canudos para o novo povoado.

O núcleo habitacional pioneiro foi o Acampamento do Dudu, apresentado neste painel numa fotografia de Darwin Brandão feita em 1953.

Alguns anos depois, em novembro de 1967, os moradores da Canudos que seria submersa nas águas do Vazabarris saíram do vilarejo em procissão, carregando uma imagem de Santo Antônio, e foram para a Vila do Cocorobó.

Apenas três resistiram: um homem e duas mulheres.

No ano seguinte, o novo povoado já abrigava quase 3 mil pessoas.

As obras da barragem foram concluídas em Fevereiro de 1968 e os engenheiros do DNOCS acreditavam que as águas a sangrariam dois anos depois. Estavam enganados. No dia 12 de março de 1969, iniciou-se uma forte chuva, que se prolongou por seis dias e encheu o açude com 160 milhões de metros cúbicos de água.

Um antigo morador da Canudos repovoada depois da guerra declarou a um jornalista que nunca tinha visto uma chuva igual: fiquei com medo, era o céu despejando estamos vivos pelas graças de Deus...

Na ocasião, os últimos resistentes deixaram a terra natal e foram para a Vila do Cocorobó, depois denominada Nova Canudos e hoje Canudos.

Esta é uma breve história da Vila do Cocorobó. formada por homem e mulheres que sonharam trazer para o sertão a esperança de dias melhores e por descendentes de um bravo povo que enfrentou uma das maioria injustiças da nossa história.  



Fotos: Eduardo Bastos, Paulo Oliveira de Santana, José Santana Curvelo e Edson Souza
Fonte de Pesquisa: O texto aqui publicado é uma transcrição de parte do material que se encontra exposto no Memorial de Canudos.