sábado, 15 de maio de 2010

"Carta" escrita como proposta de redação da professora de Português e Redação, quando o autor fazia o 2º ano de Informática Industrial na UNED

Prezado Amigo Renato Russo,

Nesse momento preciso acreditar que sua alma permanece entre nós. Só assim será possível comunicar-me com você para dizer-lhe o quanto sua obra marcou minha geração e o que representou, nesse momento, sua partida abrupta.

Tive o privilégio de despertar para a vida no momento em que a sociedade do meu país saía das trevas políticas e começava a respirar os primeiros ares da democracia. Na esteira dos movimentos sociais que pipocavam pelo país afora, o rock nacional ressurgia das cinzas para dar novo alento à Música Popular Brasileira e para embalar os corações rebeldes que alimentavam a chama das mudanças sociais sonhadas.

Entre as bandas que começaram a ocupar espaço nesse novo cenário musical, a Legião Urbana se sobressaia e despertava a atenção da juventude mais atenta por diversos motivos: o vocalista tinha mesmo um tom de voz diferente, que nos fazia lembrar da melhor fase de Elves Presley. As músicas, de uma sonoridade sem igual, e as letras, diretas e sem repetições, conseguiam transmitir a mensagem de imediato, refletindo tudo aquilo que até então tinha permanecido contido no peito da juventude.

Renato, é preciso que você saiba que, há tempos, as músicas da Legião
Urbana vêm servindo de trilha sonora para embalar momentos que marcaram e que, por isso, permanecem vivos em minha memória.

Há pouco tempo atrás, eu (acompanhado de dois irmãos e de um grupo de
estudantes aqui de Lagarto) estava em Goiânia, participando de um congresso estudantil. Na noite que antecedeu o término do evento, os cerca de cinco mil jovens que estavam ali, representando todos os estados do país, se reuniram numa praça da cidade para uma festa de congraçamento. Como não poderia deixar de ser, as músicas da Legião monopolizaram as preferências e tocaram de forma ininterrupta durante toda a noite, para delírio geral da galera presente. E a praça se transformou num só frenesi; a moçada destilava emoção por todos os poros, acompanhando cada melodia executada a plenos pulmões, e torcendo para que o tempo parasse e aquele êxtase coletivo pudesse se prolongar por horas a fio; assim ninguém teria a preocupação de ser desperto pelo toque do sino da realidade.

Mas cara, não foi apenas dessa vez que presenciei a pujança de suas canções.
Lá em casa você conquistou fãs que sabem todas as suas letras de cor, e que aguardam o lançamento de um disco da Legião com a mesma expectativa que assalta um pai que espera o nascimento de seu primogênito.

Renato, é preciso que você saiba que em minha casa seus discos são tocados
a exaustão e suas letras decoradas e debatidas pelos irmãos Bastos, sempre que nos reunimos numa mesa de bar, do almoço ou do jantar. Pode parecer exagero de minha parte, mas a verdade é que lá em casa, Renato, suas músicas têm servido para conquistar corações femininos que, a priori, se mostram insensíveis. Sempre que um enamorado briga com sua garota ou intenciona conquistar aquele “broto” que acabou de conhecer, basta recorrer a um dos versos de suas melodias. Apenas o recurso a esse expediente garante o sucesso da investida amorosa. E suas letras têm amolecido corações com a competência de um cupido infalível. Talvez isso aconteça pelo fato de sua poesia calar fundo na alma e falar, de forma simples, dos sentimentos verdadeiros que as pessoas não conseguem expressar.

É, Renato, você partiu cedo demais!


Apesar dos pesares, você deve se considerar um ser privilegiado; privilegiado
pelo fato de ter conquistado o direito de registrar seus pensamentos para que os mesmos sejam não apenas admirados no presente, mas alcancem o status da imortalidade. Ainda em vida, você assistiu sua música “Índios” ser eleita patrimônio da humanidade. Hoje, esta mesma letra figura em destaque no Museu Nacional do Índio. Dessa forma ela poderá, no futuro, receber o reconhecimento merecido das gerações que nos sucederão.

Nesse momento preciso despedir-me de você. Antes, preciso lhe dizer
que, mais que ninguém, sempre entendi sua dificuldade e angústia em viver nesse mundo. Você era um cara que pensava e precisava que as pessoas fizessem sua parte. A indiferença coletiva, com certeza, devia levá-lo ao desespero, a ponto de você questionar a validade de continuar vivendo em um mundo povoado pela incompreensão, incerteza e bestialidade. Durante o tempo em que você passou entre nós, sua contribuição foi de valor inestimável. Com sua obra, você influenciou e continua a influenciar as mentes e corações das pessoas que desejam viver o presente, sem perder a perspectiva de amar as pessoas como se não houvesse amanhã...

Obrigado por tudo,

José Eduardo Bastos

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